Após três anos de discussões jurídicas, finalmente a Shell aceitou na semana passada a responsabilidade pelo grave vazamento de petróleo, ocorrido em 2008, que atingiu mananciais de água, no Delta do Níger, na Nigéria. Antes tarde, do que nunca.
Artigo publicado no site de relações públicas Corpen Group, por Laurie Griffin, diz que independentemente das responsabilidades, “o que as manchetes deveriam estar dizendo, de uma perspectiva de relações públicas, é que a Shell está se desculpando por derrames de hidrocarbonetos em massa, que os especialistas estimam pode ser tão grande quanto o vazamento de 1989, do Exxon Valdez, na costa do Alasca. O ideal é que essas notícias tivessem sido as manchetes em 2008”.
Para a autora do artigo, o tom da declaração da Shell, expresso num comunicado, é tão frio e duro como os tubos que falharam:
"A SPDC (Shell Petroleum Development Company) aceita a responsabilidade em relação à lei dos Oleodutos relacionados a dois derramamentos de óleo, que foram devidos à falha de equipamento. A SPDC reconhece que é responsável pelo pagamento de compensação àqueles que têm direito a receber essa compensação".
O artigo de Laurie Griffin é bastante crítico, pela demora e pela forma como a multinacional se comportou nesse grave acidente. “Sabe-se que os dois vazamentos, que jorraram sem controle e não tiveram iniciativas de limpeza, nos últimos dois anos, produziram reais impactos humanos”.
“Um toque de humanidade e empatia teria sido adequado. De fato, há uma realidade que empresas de petróeo, como a Shell, enfrentam ameaças de sabotagem e terrorismo contra a infra-estrutura petrolífera. Mas, tomado por si só, o tom desapaixonado e burocrático-comercial da declaração da Shell sugere que o conflito em curso contra a empresa e as comunidades locais é um negócio como outro qualquer. A limpeza e os custos de compensação são uma mera transação comercial”.
“A Shell aceita a responsabilidade somente após as ações judiciais coletivas serem perdidas. A empresa diz que vai pagar centenas de milhões de dólares às vítimas. Esse é um passo na direção certa, mas os stakeholders esperam que isso seja feito porque é a coisa certa a fazer, não apenas porque a Shell tem que fazer, por uma decisão judicial”.
Segundo o jornal inglês The Guardian, a Shell enfrenta uma conta de centenas de milhões de dólares depois de aceitar a responsabilidade total pelos dois vazamentos de petróleo, que devastaram uma comunidade nigeriana de 69 mil pessoas. O estrago pode levar pelo menos 20 anos para ser limpo.
Especialistas que analisaram imagens de vídeo dos derramamentos de Bodo, em Ogoniland, dizem que o impacto pode em conjunto ser tão grande quanto a catástrofe do Exxon Valdez, quando 40 milhões de litros de petróleo destruíram um paraíso ecológico no litoral canadense.
Outro erro muito comum nas crises, cometido pela Shell, foi tentar minimizar o acidente. Ela, como British Petroleum, no Golfo do México, mascararam a extensão da tragédia. Até agora, a Shell vinha alegando que menos de 40 mil litros foram derramados no vazamento ocorrido na Nigéria. Documentos vistos pelo jornal The Guardian mostram que, após uma ação judicial coletiva em Londres, ao longo dos últimos quatro meses, a empresa aceitou a responsabilidade pela dupla ruptura do oleoduto Bodo-Bonny Trans-Niger, que bombeia 120 mil barris de petróleo por dia.
Ainda segundo o The Guardian, “Ogoniland é uma pequena região do delta do Níger, que expulsou a Shell em 1994, pela sua poluição, mas depois viu oito dos seus líderes, incluindo o escritor Ken Saro-Wiwa, serem executados pelo governo".
“O petróleo que jorrou sem controle, a partir dos dois derramamentos do Bodo, ocorridos poucos meses um do outro, em 2008, devastou literalmente uma rede de 20 quilômetros quadrados de córregos e enseadas. Bodo e pelo menos outras 30 vilas menores dependiam desse sistema para alimentos, água e combustível”.
Desinteresse e responsabilidade
O The Guardian diz que nenhuma tentativa foi feita para limpar o óleo, que tem sido acumulado nos braços de água salgada que entram nas praias, e são levados pelas marés. Esse petróleo penetrou profundamente no lençol freático e nos terrenos agrícolas.
De acordo com as comunidades de Bodo, em dois anos, a empresa só ofereceu US$ 5.500,00, juntamente com 50 sacos de arroz, 50 sacos de feijão e algumas caixas de açúcar, tomate e óleo de amendoim. As ofertas foram rejeitadas como "um insulto, provocador e irrisório" pelos chefes de Bodo, que depois aceitaram na assessoria jurídica.
Muitas outras comunidades pobres do delta estão agora esperando para procurar indenizações por danos causados pela poluição por petróleo contra a Shell nos tribunais britânicos. Em média, há três derramamentos de petróleo por dia pela Shell e outras empresas que trabalham no delta.
A empresa consistentemente culpa pelos vazamentos os jovens locais, que, segundo argumenta a empresa, sabotam a rede de gasodutos. Por isso, significou um avanço a empresa aceitar que os vazamentos de 2008 foram causados por falha de equipamento e não sabotagem ou roubo.
Segundo The Guardian, "ainda esta semana a empresa vai ser denunciada na ONU pelo desastre ambiental no delta do Níger. Esse vale sofreu mais de 7.000 vazamentos de petróleo nos pântanos e terras baixas, desde 1989. A Shell foi a primeira empresa a descobrir petróleo no delta do Níger em 1956. Segundo a Anistia Internacional, mais de 13 milhões de barris de petróleo foram derramados no delta nos últimos anos, o dobro do que foi vazado pela BP no Golfo do Mexico, no ano passado”.
Do ponto de vista das relações públicas, a empresa foi criticada pela frieza como tratou esse assunto em relação à população. “Nesse meio tempo, todas a comunicação das empresas em torno de assuntos similares deveria evoluir de declarações das empresas de aceitar a responsabilidade para expressões humanas de contrição e remorso pela dor e dificuldades enfrentadas pelas comunidades impactadas negativamente”.
Ou seja, como manda a boa gestão de crise, as empresas deveriam se preocupar menos com os próprios problemas e mais com os transtornos que causaram a terceiros ou à comunidade.
Segundo o The Guardian, o relatório do Programa das Nações Unidas para o meio ambiente (UNEP), financiado pela Shell, será apresentado ao presidente Goodluck Jonathan na quinta-feira e é esperado para ser lançado na sexta-feira em Londres.
O Relatório da UNEP, o primeiro estudo científico, reconhecido pela comunidade acadêmica, de mais de 60 vazamentos, está sendo esperado para confirmar que a poluição por hidrocarbonetos em Ogoniland é muito pior do que se pensava, tendo mergulhado para o lençol freático. Muitos vazamentos, desde 1970, nunca foram esclarecidos e os efeitos sobre a economia local, saúde e desenvolvimento têm sido severos.
Informa ainda o The Guardian que especialistas internacionais de avaliação de vazamento de petróleo, que viram o derramamento de Bodo, acreditam que poderia custar à empresa mais de US$ 100 milhões para limpar corretamente e restaurar as florestas devastadas de mangue, que são utilizadas para demarcar riachos e rios, mas que foram mortos pelo óleo.
Foto: The Guardian - O impacto do vazamento de petróleo, perto de Ikarama, no delta do Níger, Nigéria. Fotografia: Amnesty International UK