A semana passada foi pródiga em crises, tanto no Brasil, quanto no exterior. Dos bombeiros do Rio de Janeiro, passando pelo apagão de São Paulo, até o epílogo da novela Palocci, não faltaram “pepinos” para as autoridades descascar, como comprova agora o governo da Alemanha, meio perdido com a bactéria E. coli. Erros e inépcia administrativa trazem alguns ensinamentos para quem está ligado em gestão de crises.
No Rio, a insubordinação dos bombeiros, que invadiram o quartel da corporação e cometeram atos de vandalismo, mostrou até que ponto de ebulição chega uma crise mal administrada. Os bombeiros justificam a invasão pela inoperância do governo estadual em negociar salários. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Forçar a negociação com atos de insubordinação não condiz com instituições militares. Os motivos podem ser justos, mas a forma é errada.
Os bombeiros têm um capital de credibilidade muito grande na população. Ao misturar reivindicação com atos populares, envolvendo até as famílias, eles colocaram em risco essa reputação conquistada ao longo do tempo pela atuação heroica em muitas tragédias. O governador Sergio Cabral, que passou quatro anos faturando à custa da popularidade de Lula, também escorregou feio nessa crise. O confronto, as declarações infelizes, chamando-os de “vândalos” e as prisões, tudo contribuiu para ele perder a batalha da opinião pública.
Esticar a negociação até o limite do confronto foi um erro. Por que os bombeiros chegaram a esse estágio de tensão e revolta? A população acabou ficando com o lado mais fraco, o dos bombeiros, demonstrado na passeata que reuniu 30 mil pessoas no domingo, em Copacabana. Não bastasse isso, foi agora criado um impasse.
“Se não punir, o governador precipitado se desmoraliza, como se desmoraliza em negociar. Os bombeiros, por outro lado, se negociarem, como seria próprio de sua demanda, também se desmoralizam. Estariam aceitando algo muito aquém da dramatização intensa, que deram ao movimento...”, diz o professor José de Souza Martins, da USP.
Conflitos e crises não podem ser gerenciados com radicalismo dos dois lados. O pior momento para administrar uma crise é exatamente dentro dela, como estão agora os bombeiros e o governo do Rio. A saída, quando for encontrada, certamente deixará cicatrizes, porque nesse episódio ambos os lados, por erros passados e presentes, saíram perdendo.
O apagão privado
Em São Paulo, a Eletropaulo foi afetada pelo vendaval que atingiu a região metropolitana na terça (7). Milhões de pessoas ficaram sem água e luz por conta do apagão elétrico, em diferentes regiões e horários. 600 mil residências foram afetadas, ou seja, cerca de 2,5 milhões de pessoas.
Como a rede elétrica de S. Paulo, em grande parte, é aérea, os ventos danificaram postes e transformadores, infernizando a vida do paulistano, com semáforos inoperantes, falta de água e de energia. A empresa de energia de SP foi privatizada a partir de 1999, em quatro segmentos. A privatização veio exatamente sob a ótica de que o estado não tem dinheiro para manter a empresa atualizada e eficiente.
O apagão, além de ter provocado uma crise para milhões de consumidores, indústrias e casas de comércio, expôs um lado bastante questionado a partir das privatizações: por que a empresa não entrega serviços com eficiência e segurança? Coloca em dúvida também se realmente a privatização é a panaceia para resolver problemas de estatais inoperantes. Exatamente o que o governo está pensando fazer com os aeroportos.
O governador de S. Paulo, Geraldo Alckmin, fez uma declaração grave, ao constatar os transtornos causados pelo apagão: "É óbvio que ela [a Eletropaulo] não tem as condições mínimas de atendimento rápido ao usuário. E, ao mesmo tempo, de se prevenir de problemas como tempestade e vento, que todo mundo sabe que ocorre", disse Alckmin. A empresa alega estar fazendo o possível para reparar os estragos e restabelecer os serviços. Rescaldo da crise: prejuízos para a empresa de energia, com indenizações que, certamente, serão pedidas; arranhão na imagem, porque mostra ineficiência num produto vital para a população; e prejuízo também para os consumidores. Muitos não terão como recuperar mercadoria e negócios perdidos.
Ou seja, a intensidade da ventania que assolou S. Paulo poderia até não ser prevista. Mas hoje as empresas, cada vez mais, precisam se preparar para situações graves como essa. Não adianta culpar a Natureza. Por trás das armadilhas dos chamados "atos de Deus", existe oculta a incapacidade das organizações de criarem mecanismos de prevenção que evitem transtornos e ameaças à população.
Tremendo de um pepino
Na Alemanha, o surto da bactéria E.coli, além de causar a morte de 30 pessoas, complicar a saúde de centenas e afetar vários outros setores, ainda criou uma crise diplomática com a Espanha. A Alemanha suspeitou, e deixou a notícia vazar, de que pepinos importados da Espanha e de outros países da Europa poderiam ser a causa da bactéria. Os espanhóis reagiram e garantiram que nada existia em relação aos pepinos. Resultado: prejuízos milionários aos agricultores europeus.
A Alemanha não soube conduzir a crise do pepino. Gerou uma onda de alarmismo e botou a culpa em produtos específicos, sem pesquisas concluídas. Depois do pepino, o réu passou a ser o broto do feijão. Sabe-se agora que a origem está lá mesmo na Alemanha, numa fazenda, onde brotos utilizados na salada são responsáveis pela maior parte da contaminação. A maioria das vítimas é daquela região. Mas a bactéria já foi detectada no exterior.
Os agricultores europeus, prejudicados pelo boato, querem agora que a Alemanha pague o prejuízo. Até porque o pepino, primeiro vilão, nada tem a ver com a ameaça. Os bacteriologistas que lideravam o esforço científico para desvendar a origem da bactéria admitiram, na semana passada, que não tinham “a menor ideia” do que estava provocando a doença. Ou seja, a Alemanha estava dando tiro no escuro. Acertou a Espanha e agora vai ter que pagar. Outra crise que começou pequena, mas pela comunicação mal conduzida acabou tendo repercussões negativas que a pioraram.
Lições de crise
Os episódios da semana confirmam aquilo que as pesquisas mostram. A maioria das crises (mais de 80%) provém de erros de gestão. Processos mal conduzidos, inépcia ou arrogância dos gestores, despreparo, ganância, lentidão ou ou precipitação acabam provocando crises graves, que poderiam ser evitadas, amenizadas e sanadas com negociações ou providências simples tomadas no momento certo.
Os gestores, o que inclui governantes, apostam no tempo para resolver seus problemas. Só que o tempo pode ser tanto um aliado, quanto um complicado adversário. Os problemas não se resolvem sozinhos. As “bandeiras vermelhas” da crise ficam lá, dando sinais de que algo negativo vai acontecer. Em geral, os gestores desdenham desses sinais. É só ver o que aconteceu no Rio, em S.Paulo e na Alemanha para perceber que essas três crises poderiam ser bastante amenizadas se tivessem sido atacadas no timing certo, com as pessoas certas e com a disposição de resolver.