A recente decisão de alguns sindicatos dos empregados dos Correios de fazer greve em protesto contra alterações na forma de contribuição do Plano de Saúde, respaldadas pela Justiça, é o tipo de atitude que agrava a crise da empresa. Para o colunista Carlos Alberto Sardenberg, a “greve de funcionários dos Correios é uma forma de ‘matar’ a estatal". Os sindicatos e alguns empregados (seria injusto dizer todos) fingem não entender que o País mudou, que a empresa em que trabalham enfrenta uma crise grave, em que seu futuro está sob escrutínio, e que o tempo das benesses do Estado aos funcionários públicos e aos empregados das estatais acabou.
Ninguém ignora a crise que os Correios vêm enfrentando nos últimos anos, principalmente durante os governos do PT, quando a empresa foi literalmente aparelhada, diretorias foram rateadas entre indicados de partidos políticos e o resultado disso aparece no balanço da empresa: até novembro de 2017, o rombo dos Correios era de R$ 2 bilhões. Foi o quinto ano com prejuízo na empresa. O prejuízo acumulado desde 2013 bateu em R$ 6 bilhões.
Auditoria da CGU, divulgada no início do ano, escancarou a situação grave dos Correios, em consequência de gestões pouco profissionais, inclusive a atual, diz o relatório. Só os gastos com pessoal da empresa consomem R$ 12 bilhões por ano, 50% das despesas totais da estatal. O que causa espanto é que esse valor cresceu 60% nos últimos cinco anos.
O relatório da CGU é implacável quanto ao aparelhamento da empresa, a causa maior de todos os seus males. “Destaca-se como uma das causas que contribuiu para diversos desses riscos – a desprofissionalização da gestão em todos os níveis, associada ao aparelhamento político-partidário, ou seja, o abandono de métodos utilizados historicamente pelos Correios para escolha das lideranças na empresa...” E mais adiante: “foi um fator relevante na deterioração da saúde financeira dos Correios” o aparelhamento da empresa, incompetência, decisões inadequadas, queda na qualidade dos serviços.” É o retrato cristalino e sem meias palavras do mal causado à empresa pela indicação de pessoas despreparadas e que só assumem os cargos para usar a empresa no interesse político-partidário ou privado e não para promover seu crescimento.
Como resistir a tamanho desgaste? É de se lembrar que a primeira ponta do mensalão apareceu num deslize nos Correios, em 2005, quando um empregado foi gravado ostensivamente recebendo propina. A cena, por emblemática e vergonhosa, virou símbolo e vinheta da corrupção que campeava em muitas estatais, e no próprio governo, em conluio com parlamentares.
Mesmo após a adoção de medidas para reduzir gastos, como fechamento de agências e corte de patrocínios, o prejuízo dos Correios em 2017 foi 17% maior do que em 2016, terceiro ano no vermelho. A principal causa do déficit, informou o presidente da empresa, foi o custo do plano de saúde dos empregados, praticamente todo ele assumido pela empresa. Deve ser a única estatal que cobre quase integralmente as depesas com plano de saúde dos empregados, com as distorções que ao longo do tempo foram se acumulando, como inclusão de dependentes que não deveriam ser beneficiários, como pais, sogros, filhos maiores e outros penduricalhos.
Do déficit de R$ 800 milhões dos 4 primeiros meses de 2017, R$ 600 milhões foram referentes ao custo do plano de saúde dos funcionários. Do rombo de R$ 2 bilhões registrados em 2016, R$ 1,8 bilhão, segundo o presidente, é consequência do custo dessa cobertura estendida do plano de saúde. A quantidade de indenizações pagas, em apenas seis anos, por atrasos, extravios e roubos aumentou 1.054%, gerando um prejuízo de R$ 201,7 milhões somente em 2016.
Para tentar reverter a crise, a diretoria atual propôs alterar o plano de saúde dos funcionários. A ideia é que a empresa, que hoje custeia, em média, 93% dos planos de funcionários, estendendo o benefício a cônjuges, filhos e pais, concentre-se em pagar 100% do benefício, porém apenas para funcionários ativos e aposentados, excluindo parentes. Trata-se, sob qualquer aspecto, de uma distorção que precisa ser corrigida.
Pois foi contra essa medida de saneamento que os sindicatos patrocinaram a recente greve, que, naturalmente, por descabida, intempestiva e inoportuna, acabou fracassando. A maioria dos empregados deve ter entendido que uma greve só poderia agravar ainda mais a situação financeira da empresa, com ameaça aos próprios empregos. O que admira é encontrar dirigentes sindicais que patrocinam aventuras como essa. "A greve acentua e acelera a ida para o mundo digital. Cada vez que o funcionário dos Correios faz greve, empurra clientes para a solução digital", diz Guilherme Campos, presidente da estatal. Ou seja, perda de clientes e de receita.
Diante dos desmandos, quem paga o prejuízo é o consumidor. Em fevereiro de 2018, a empresa atualizou a tabela de cobrança para entrega de encomendas. Os aumentos vão de 8% a 51% para itens enviados a regiões distantes das capitais. Quem depende dos Correios para mandar encomenda para o interior, é o mais atingido. O aumento médio foi de 29%. Os Correios detêm o monopólio da distribuição de correspondências, mas não de encomendas. O problema é que em muitas cidades do interior, as empresas privadas que transportam mercadoria não vão e não querem ir, pelas dificuldades das estradas e do acesso. O brasileiro, portanto, de certo modo é refém dos Correios, que não atendem com a presteza devida essa demanda.
De empresa modelo para a decadência
Não faz muito tempo, pesquisas que apontavam as instituições de maior credibilidade do país, mostravam no topo, tradicionalmente, os bombeiros, a Igreja e os Correios. Em 2002, pesquisa da FIA/Usp sobre confiança das instituições brasileiras, colocava os Correios em segundo lugar, com 93% de aprovação, atrás apenas da “família”, com 94%. Em 2008, a revista Forbes divulgou que os Correios do Brasil figuravam como a empresa de melhor reputação corporativa, identidade e marca do mundo no segmento; também foi considerada a segunda no ramo de logística.
Segundo o IBOPE, em janeiro de 2008, na cidade de São Paulo, os Correios apareciam em segundo lugar entre as instituições com mais confiança da população, com 91%, ficando atrás apenas do Corpo de Bombeiros, números que não foram abalados mesmo com as denúncias de corrupção em que estiveram envolvidos alguns de seus funcionários desde 2005, quando estourou o escândalo do Mensalão, em 2006. Hoje, isso tudo ficou no passado. Os Correios não figuram mais, foram literalmente banidos do ranking de confiança das instituições do País.
Mas por que a empresa, nos últimos anos, saiu dos trilhos que marcaram sua trajetória, perdendo aquele capital reputacional que a destacava como uma organização merecedora da confiança dos brasileiros? O uso político, sucessivas gestões equivocadas, que redundaram na falta de modernização para enfrentar um mercado altamente competitivo, em que a comunicação aos poucos deixou de ser feita pelo meio escrito, mas digital, mergulharam a empresa num "estado de crise", termo usado pelo filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman.
Os Correios, como ademais outras estatais, sofrem com a descontinuidade administrativa, com o desfile de políticos ou indicados por eles pelas diretorias. A empresa não investiu num programa de diversificação do seu modelo de negócio, lançou produtos sem muito apelo comercial e que não respondem às atuais demandas do mercado. As greves e o atraso tecnológico permitiram o surgimento de concorrentes bem mais preparados, principalmente estrangeiros. E que aos poucos tomam o mercado da estatal.
O próprio presidente dos Correios, em audiência na Câmara dos Deputados, em maio de 2017, disse que a crise nos Correios era decorrente das transformações tecnológicas que alteraram a forma de comunicação e afetaram as empresas do setor em todo o mundo. Ele avaliou que o modelo de monopólio é insustentável e precisa ser modernizado.
Na verdade, quando olhamos para empresas semelhantes, na Europa, com capital privado e uma governança profissional, vemos que nem a crise de 2008 foi capaz de abalar o crescimento. Empresas do mesmo ramo que foram privatizadas, como os Correios da Alemanha e o histórico e famoso Royal Mail britânico, cresceram e se expandiram. Elas foram modernizadas com a privatização, enxugaram o quadro e acabaram sendo sucesso de negócio. Hoje, as poucas empresas estatais em âmbito mundial nesse ramo de negócio, que continuam públicas, prestam um serviço deficiente, burocrático e atrasado tecnologicamente.
Os Correios, é sabido, foram usados pelo governo, principalmente nos últimos anos. Guilherme Campos, atual presidente da empresa, apontou que a retirada de mais de R$ 6 bilhões do caixa da empresa para antecipação de dividendos ao Tesouro, entre 2007 e 2013, como uma das causas para o agravamento da dificuldade financeira. E citou ainda a greve nacional promovida pelos funcionários, entre abril e maio de 2017, entre tantas outras, como prejudicial às finanças da empresa. A paralisação resultou em prejuízos de pelo menos R$ 6 milhões por dia.
A falta de planejamento para enfrentar um mercado altamente competitivo também afeta a gestão da empresa. Recentemente, por exemplo, os Correios anunciaram que iriam aproveitar a licitação do Banco Postal para entrar no segmento de cartões de crédito. Lançariam um cartão de crédito próprio, com a marca dos Correios e sem vínculo com a instituição financeira. Esse anúncio parece demonstrar que a empresa não sabe bem para onde correr, uma vez que pouco depois anunciava o fechamento de 250 agências no país, certamente uma medida de economia, mas que também contribuiu para desgastar ainda mais sua imagem. Muitos municípios têm na agência dos Correios o único meio de contato com o poder público. Na maioria, sequer existe agência bancária.
Não bastassem as indicações políticas e as seguidas greves, que irritam os consumidores e afastam clientes mais exigentes, o aparelhamento também favoreceu a corrupção e a queda na qualidade dos serviços prestados. A marca dos Correios ainda é muito forte, mas no mundo atual em que reputações corporativas são pulverizadas rapidamente, pela força das redes sociais e da Internet, mesmo marcas poderosas podem ser corroídas com extrema rapidez, principalmente se não forem inovadoras, modernas e criativas.
A troca constante de diretorias, desde o governo Lula, e grande parte dos executivos expulsos por acusações de uso da máquina estatal, acabou afetando de forma deletéria a gestão da empresa. Como fazer planejamento, se o turnover nos escalões decisórios é acentuado. A empresa virou moeda de troca dos governos recentes. O exemplo mais emblemático se reflete no fundo de pensão da estatal, o Postalis. Diretorias de apaniguados políticos fizeram investimentos por interesse político, a ponto de adquirirem papéis da Venezuela e da Argentina, que causaram prejuízos milionários ao fundo. A Secretaria de Previdência Complementar precisou intervir no Postalis e afastar os dirigentes.
O caminho inevitável da privatização
Para quem detesta o tema e defende o controle do Estado sobre atividades estratégicas, falar na privatização dos Correios pode ser tabu. Mas o mundo mudou. Na Inglaterra, se alguém há 20 anos falasse na possível privatização do Royal Mail também seria criticado. Inchado, o velho serviço postal da Grã-Bretanha, fundado em 1516, carregava o peso de mais de 200 mil empregados e a queda na qualidade do serviço. Em 2005, o Royal Mail Group era uma empresa pública limitada, por força de alterações que vinham acontecendo desde 1969. David Cameron, quando primeiro ministro, resolveu mexer com esse vespeiro. A princípio, encontrou resistência, mas o próprio Parlamento britânico foi se convencendo de que havia clima para discutir a privatização. E ela veio em 2013, quando a empresa foi privatizada com a venda da maioria das ações. O Royal Mail se tornou mais eficiente, com menos empregado e as ações da empresa pularam de cerca de 330 libras para 455 libras, logo em seguida, dando um tremendo lucro para os 700 mil acionistas.
Na Alemanha, a privatização do Deutsche Bundespost veio em 1995. A empresa vinha do final da II Guerra Mundial, e era o segundo maior empregador federal. Mesmo com a redução, em 1985, tinha 543.200 empregados para um país com área pouco maior do que o estado de Goiás. Em 1995, a empresa postal foi dividida em três empresas de capital aberto, uma delas a Deutsche Post AG, hoje a maior empresa do mundo de serviços postais e entregas expresso, com sede em Bonn. Tem 467 mil empregados em 220 países.
Qual o futuro dos Correios? Precisaria um choque de gestão, mais ou menos nos níveis que o presidente da Petrobras, Pedro Parente, realizou na petroleira. Hoje, muitas empresas preferem usar transportadoras privadas para envio de encomendas do que os Correios, ante a ameaça de greves e de perdas, como ocorreram no Rio de Janeiro, por questões de segurança. As tarifas dos Correios deixaram de ser competitivas, aumentaram na proporção inversa da qualidade e pontualidade na entrega. Diante desse quadro e de todo um passivo deixado por administrações anteriores, não vemos alternativa a não ser preparar a empresa para a privatização. Que virá, não há dúvidas. Só se ignorarem o passado, condenado nos relatórios dos órgãos fiscalizadores. Ou se o governo federal levasse a sério e na diretoria colocasse um quadro absolutamente técnico. Nesse caso, será preciso coragem para realizar um trabalho de “saneamento” da empresa, para que ela volte a merecer a confiança da população. Marca forte pode ser um excelente ativo. Mas ela não resiste quando os stakeholders começam a desconfiar da organização. Ou perceber que ela não está cumprindo suas funções.
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