A epidemia de dengue, que as autoridades teimam em negar, mas já se tornou uma realidade no Rio de Janeiro, mostra o lado perverso de órgãos públicos que não têm gerenciamento de risco. Não é uma lacuna só de entes públicos.
Empresas privadas, sujeitas a acidentes, catástrofes ou crimes ecológicos têm mostrado nos últimos anos a mesma falha. Basta lembrar o que aconteceu na última tragédia aérea no Brasil. Não há gerenciamento de risco para evitar problemas maiores quando ocorre a crise. Ou melhor, talvez nem crise existisse se tivesse havido uma prevenção adequada. Quando ela ocorre, ações desencontradas de comunicação acabam agravando a crise.
O que ocorre no Rio de Janeiro é uma sucessão de erros e de descaso com a saúde da população. A imprensa mostrou que desde o ano passado havia sinais bastante claros e alarmantes sobre a possibilidade de uma epidemia de dengue. Não adianta agora culpar a população. Sob pressão da opinião pública e da imprensa, o secretário da saúde do Rio de Janeiro preferiu dizer que a população não fez a sua parte, combatendo o mosquito adequadamente.
Ora, a primeira pergunta que todos estão fazendo é por que só o Rio de Janeiro teve esse recrudescimento do surto de dengue? Em São Paulo e outros estados, os casos de dengue foram drasticamente reduzidos. Justificar pelo clima, pela situação caótica da malha urbana do Rio de Janeiro também não é o caso. O fato é que alguém deixou de fazer o seu dever.
Primeira lição: não houve planejamento, nem gerenciamento de risco. Se o próprio ministro da saúde em outubro já admitia o perigo de uma epidemia, o que as autoridades federais, estaduais e municipais fizeram para reduzir a incidência da doença? A julgar pelo que está acontecendo, muito pouco ou quase nada. Isto é, não houve ações preventivas que reduzissem os focos do aedes egypti; não foi montado um esquema especial de atendimento, principalmente às crianças, que acorreram aos hospitais nos primeiros dias da epidemia. Muitas voltaram para casa, medicadas de maneira irresponsável e precipitada. Não houve acompanhamento. Recrudescida a doença, a partir de fevereiro, nenhuma das esferas de poder apresentou um plano emergencial para atender ao número crescente de infectados nos hospitais e pronto-socorros.
Depois que a imprensa abriu manchetes e passou a expor de maneira bastante crua a epidemia, começaram a aparecer também os porta-vozes das várias instâncias de governo. E aí o que se vê, ainda, é um jogo de empurra, cada um tentando dizer que a instância tal (que não a sua) não fez a sua parte. O que isso interessa para os pais que perderam seus filhos? Ou filhos que perderam os pais? Isso não tem a menor importância. O caos já está instalado e o descaso com a vida humana ficou evidente quando, não bastasse a falta de prevenção, não havia vagas nos hospitais para atendimento.
No meio da crise, o governo federal ainda bate cabeça com duas ações atabalhoadas. Anuncia um Gabinete de crise, pomposamente, na sexta-feira dia 21 e, inacreditável, informa que esse gabinete se reunirá a partir de segunda-feira, após os feriados. Como se o mosquito e a doença dessem trégua nos feriados. Lixem-se os doentes, enquanto nós, governo, descansamos... Ora, mandam os manuais mais rudimentares de crise, que gabinete de crise é para ser instalado imediatamente quando a crise desencadeia. Ou o governo não admitia que havia uma crise?
Dos Estados Unidos, o Ministro da Defesa aproveitando a brecha da mídia com o caos, anuncia que iria colocar as Forças Armadas à disposição e instalaria hospitais de campanha para atender á população. Imediatamente ? Não, somente quando ele voltasse dos Estados Unidos. E após seguidas reuniões com outras instâncias para ver como será feito esse atendimento. Um telefone 0800, colocado supostamente à disposição da população para denunciar focos do mosquito, diz com todas as letras para quem liga no início da noite "nosso horário de atendimento é das 8 às 20 horas, nos dias úteis”.
Enquanto isso, o caos aumenta. O número de mortos cresce a cada dia e o índice de mortalidade, entre os infectados, no Rio chega a 10%, ou seja, dez vezes mais o admitido pela Organização Mundial da Saúde.
Em resumo, o que se viu nos últimos dias foram ações equivocadas. Nesse caso, nenhuma comunicação resiste a um festival de erros primários. A quantidade de porta-vozes para esse episódio tem mostrado a vulnerabilidade das autoridades e dos governos para enfrentar uma calamidade. As informações básicas para a população, que só podem vir de atos e decisões coerentes, naturalmente não aconteceram. Estabeleceu-se, portanto, o caos e, nesse caso, por mais que se fale, ninguém se entende. Como na guerra, em casos de saúde pública mal conduzidos, a primeira vítima é a verdade. Pena que no caso do Rio de Janeiro, as crianças tenham sido as principais vítimas.