O primeiro pronunciamento de Donald Trump ao Congresso americano, dia 28, e praticamente a primeira manifestação oficial do presidente dos EUA, após a eleição, pode ter recebido muitos aplausos. Compreensível, porque a maioria do Congresso é republicana e a cada declaração polêmica, provocadora, reacionária e, na maior parte das vezes, exagerada e até mesmo errada, os apoiadores ficavam de pé e aplaudiam. Mas a retórica populista junto com a performance televisiva de Trump não convenceram a maioria dos analistas políticos e jornalistas, principalmente dos veículos de comunicação, atacados pelo presidente nesses primeiros 40 dias.
Alguns reconhecem que o tom do discurso mudou. Pediu ao Congresso para terminar com “as lutas triviais”, que ele mesmo começou. E mostrou o recuo em pontos controversos e polêmicos, como a construção do muro na fronteira com o México, expulsão de imigrantes e discriminação a minorias. Embora continue com a retórica populista no que repeita a segurança interna, a mudança de postura também amenizou a cobertura jornalística negativa do presidente-candidato.
A líder do partido Democrata, Nancy Pelosi, divulgou uma nota dura, criticando o presidente, logo após o discurso "A administração Trump gastou 40 dias colocando Wall Street em primeiro lugar, tornando os Estados Unidos doente novamente, semeando o medo em nossas comunidades e garantindo que a Rússia mantenha seu controle sobre nossa segurança e nossa democracia. Os democratas continuarão a liderar a luta contra o ataques do presidente Trump aos princípios da América".
Discurso de padrão pobre
Algumas manifestações da mídia, selecionadas pelo site Muck Rack, não deixam dúvidas de que o humor dos jornalistas continua ácido. Com mais de 15 mil compartilhamentos, o New York Times escrutinou linha por linha o discurso oficial. Na avaliação de Dan Mouthrop, "Ele não parecia mentir tanto quanto ele fez em aparições anteriores." No entanto, Jim Clancy diz: "Muita gente está verificando (o discurso). Suas avaliações não combinam". Holly Baxter, colunista do The Independent, foi mais cáustico: “Quando você verifica o último discurso de Donald Trump, você acha que mesmo as partes tecnicamente verdadeiras não são realmente verdadeiras.”
No Washington Post, Glenn Kessler e Michelle Ye Hee Lee checaram os fatos e encontraram as 13 "mais notáveis" afirmações enganosas no discurso de Trump. Kessler comenta: "Pelo padrão Trumpiano, 13 afirmações enganosas é bem melhor do que o normal. Mas pelos padrões dos discursos (presidenciais) ao Congresso, “ele (Trump) é pobre”.
O site de variedades NPR – National Public Radio, fez uma análise ponto por ponto do discurso de Trump, com comentários bastante duros. Um exemplo: "Por muito tempo, temos assistido a nossa classe média encolher porque temos exportado nossos empregos e riqueza para países estrangeiros", disse Trump. Comentario do NPR: “É verdade que a classe média norte-americana tem se reduzido lentamente. Mas a afirmação de Trump de que os EUA estão "exportando [seus] empregos e riqueza" é uma maneira simplista de olhar para o comércio. O comércio pode prejudicar alguns trabalhadores norte-americanos, e essa dor pode ser intensa - um importante estudo de 2013 descobriu que "a concorrência das importações explica um quarto do ... declínio agregado no emprego na indústria dos EUA" de 1990 a 2007.”
O que você não vai encontrar lá? Muitas falhas para um pronunciamento no Congresso de um presidente estreante. Como Pedro da Costa, correspondente e colunista de vários jornais americanos, aponta: apesar de ter dedicado grande espaço na campanha para cutucar o México e fazer a média com a Rússia, "Trump não mencionou o México ou a Rússia”, no discurso.
Como disse o colunista político Andrew Rosenthal, do New York Times, “Primeiro como candidato, e agora como presidente, Donald Trump provocou fogo para prometer a lua e as estrelas, sem dar a menor sugestão de como pretendia obtê-las. Na verdade, com o discurso de terça-feira à noite ao Congresso, ele demonstrou tão claramente, que o presidente é na verdade um mestre da arte de reduzir expectativas.”
Mas, descartado o mau humor da mídia americana para com o candidato-presidente, o jornal Folha de S. Paulo, foi direto na avaliação óbvia do pronunciamento, aproveitando artigo da Associated Press: Em discurso ao Congresso, Trump assume crédito por coisas que não fez. Realmente, Trump se gabou sobre cortes de gastos com as Forças Armadas e expansão no emprego em grandes companhias, que na verdade aconteceram por obra de Barack Obama; e ofereceu uma visão unilateral sobre os custos e benefícios econômicos da imigração —ignorando o lado positivo. E, a partir daí o artigo cita várias afirmações de Trump que não batem com a realidade.
Apesar de ter amenizado o foco de algumas medidas absurdas, que prometia, ninguém se iluda. Trump no discurso do Congresso fez o que passou a vida fazendo: representando como um ator de programa de TV. Ninguém pode apostar que aquilo que ele disse realmente seja cumprido. As palmas fizeram apenas parte de um reality show comandado pelos Republicanos. Após o discurso, muitos americanos devem ter clamado: "God save America".
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