Francisco Viana*
Crises parecem assuntos banais hoje em dia. E ninguém parece preocupado em evitá-las. Basta ler os jornais, mesmo sem qualquer atenção, para verificar que elas se multiplicam em proporções geométricas. É um porta-voz de uma prestigiosa chancelaria que define o Brasil como “anão diplomático”, um banco internacional de grande relevância que informa aos clientes que a economia vai piorar se a presidente Dilma Rousseff for reeleita, queixas que se avolumam, contra empresas e agências nacionais de serviços públicos, que não são julgadas e, assim, sucessivamente.
É como se a imagem das organizações pertencesse a um mundo e a opinião pública a outro. Esquece-se que é larga e longa a estrada da construção de uma imagem, estreito e curto o caminho da sua destruição.
Houve um tempo, pelo menos 20 anos atrás, em que as crises surgiam de questões como a gestão equivocada, acidentes, pressões da opinião pública ou de algo inusitado que fugia ao controle das organizações, a exemplo de defeitos de fabricação, corrupção de dirigentes, problemas com a fiscalização. Não só perturbavam, como exigiam ações imediatas. Analisavam-se os impasses e de um salto buscava-se a solução. Comunicação e gestão não pareciam estar sós. Havia cuidado com a imagem e a reputação. Será que tudo isso perdeu o sentido?
Pouco a pouco, o conteúdo das tramas foi mudando. Surgiram os ingredientes políticos, de caráter amplo, algo que se avolumou e obstruiu as questões particulares. Também, surgiram as novas tecnologias e esqueceu-se o significado da opinião pública por força da diluição das mensagens e, também, o mundo veio abaixo por força da multiplicação de grupos de pressão e pela incapacidade da justiça de se fazer presente em tempo real, seguindo o passo das queixas, denúncias e críticas.
Com a queda do Muro de Berlim, esquerda e direita ficaram muito parecidas e volatilizou-se a negação. Ou se está contra ou se está a favor. E as críticas passaram a ser autênticos mananciais a jorrar e jorrar em diferentes áreas, em diferentes mundos. Muitas só foram percebidas tarde, como é o caso das crises do futebol brasileiro que só apareceram à luz do dia depois que a seleção canarinho, outrora de muitas glórias, foi goleada por 7x1 pela Alemanha. Salve-se quem puder. Roma sem Cartago.
Entraram em cena temas como sonegação de impostos em grande escala, financiamentos de campanha e seus muitos vínculos com favores oficiais – grandes favores -, desvios de verbas públicas, corrupção, também em grande escala, e quebras e mais quebras de contratos. Isto para citar alguns casos emblemáticos. A lei passou a ser uma questão de ponto de vista. A verdade tornou-se volátil. De um encadeamento de fatos, passou a ser a versão dos fatos. O importante não são os acontecimentos, mas as suas interpretações.
"Cem ilusões e um raio de verdade", como diria Goethe, recorrendo a Fausto. Mudou o país. A estrutura permaneceu a mesma. No passado, tinha-se a ilusão de que as crises eram localizadas e passageiras. De formação positivista, as corporações bebiam, e se embriagavam, da poção mágica do desenvolvimento continuo e perpétuo. Viam nas crises apenas o véu do pessimismo marxista. As relações pessoais substituíam a participação política e estava decidido. Assim, imaginava-se a poção perfeita. Uma sociedade imóvel, não dialética. Cada um que cuidasse dos seus problemas. As lágrimas de uns podiam motivar as risadas de outros. E o que parecia contar era a força da competência, a força das relações.
Foi um fenômeno que se agigantou no pós-64 e que se manteve invisível, mas dominante no pós-constituição de 1988. Suas raízes não mais eram positivistas, mas neo-liberais. A realidade encarregou-se de fazer ruir tal concepção. Empresários acreditaram que poderiam viver em mundos paralelos: a sociedade de um lado, eles em outro. Não podem. É fácil verificar. Da mesma forma acontece com os representantes políticos. As crises se sucedem porque falta responsabilidade com a ação construtiva. Esse o enigma contemporâneo. Curiosamente, emerge no momento em que a liberdade se afirma como valor universal.
Pensar democraticamente não é apenas recorrer à argamassa da inclusão social. Sim, da qualidade de vida, do entendimento e das ações práticas. O país não é feito hoje apenas das massas bestializadas como na proclamação e no decorrer da República, mas sobretudo de massas que almejam participar do desenvolvimento. A comunicação precisa mudar e levar em consideração as novas nuanças. Em lugar de ignorar as crises, buscar evitá-las. Em lugar de tentar contorná-las institucionalmente, enfrentá-las realisticamente. Recriar o hábito da prevenção, da correção de rumos, de construir a confiança e fazer do diálogo crítico uma prática constante.
Não se trata de uma volta ao passado, mas de construir organizações – públicas e privadas – integradas à sociedade e que sejam feitas para durar. Nunca para serem desmanteladas pela própria não contemporaneidade. Se houver unidade de propósitos, independente de divergências sobre caminhos a seguir, o que é muito saudável, as organizações serão fortes e avançarão no sentido de uma sociedade estável. Caso contrário, as organizações serão frágeis e a sociedade seguirá pelo mesmo acidentado caminho.
*Jornalista e mestre em filosofia política (PUC-SP)