noruega_ataque_a_ilhaO país de melhor qualidade de vida do planeta. Uma população de 5 milhões de habitantes que não conhece crise financeira, com reduzido índice de violência, nem enfrenta dez por cento dos problemas de outros países. Qual a possibilidade desse país enfrentar uma crise grave, envolvendo terrorismo, se sua bandeira é a paz? Sob o ponto de vista do gerenciamento de risco: quase zero.

O duplo atentado que sacudiu a Noruega, na última sexta-feira (22), acabou dando munição para os que defendem a tese - bastante contestada pelos especialistas em gestão de crises - de que elas chegam de surpresa. A Noruega, como a maioria dos países desenvolvidos, nunca descartou a possibilidade de ataques terroristas. Mas no radar das autoridades estão os grupos extremistas, ligados à Al Kaeda ou outras organizações terroristas, por conta da participação do país na guerra do Afeganistão.

Os países nórdicos – além da Noruega, Dinamarca e Suécia – não estão imunes a atentados. A Dinamarca, por exemplo, recebeu repetidas ameaças de grupos muçulmanos, após um jornal publicar caricaturas do profeta Maomé, em 2005. A Suécia recentemente também foi alvo de ataques. Por isso, as autoridades de segurança norueguesas consideram essa hipótese. Hoje, com o terror globalizado, não dá para dizer, sob esse aspecto, que o país era uma ilha de tranquilidade na conturbada Europa que apóia ações militares dos Estados Unidos.

Mas muito provavelmente os exercícios e simulações de crises no pais, ou mesmo o serviço de inteligência, jamais poderiam prever dois atentados planejados cuidadosamente e executados por um cidadão comum, aparentemente inofensivo. Daí a perplexidade e até desorientação nacional. “A pior atrocidade ocorrida no país, desde a II Guerra Mundial”, conforme admitem as autoridades, foi executada pelo norueguês Anders Behring Breivik, 32 anos, dono de uma empresa agrícola. Ele tinha ligações com a extrema direita; era um fundamentalista cristão que odeia imigrantes, judeus e seguidores do Islã, além de cultivar um ódio patológico ao “establishment” norueguês. E teria sido membro do fórum nazista norueguês.

Dizer que esse cidadão representava um grande risco para o país, soaria como exagero. Fanáticos como ele devem existir aos montes na Europa. Mas o ataque está sendo encarado como a “perda da inocência” da Noruega.

O acusado irá comparecer à corte nesta segunda-feira, mas negará responsabilidade criminal, porque considera, segundo palavras ditas para seu advogado, que o ato foi “horrível, mas necessário”. Uma espécie de faxina nos inimigos políticos. A polícia não confirma ainda se ele agiu sozinho ou faz parte de uma conspiração de extrema direita. Testemunhas levantaram a hipótese de mais um atirador.

Andres Breivik teria planejado os ataques desde 2009. No centro da capital, Oslo, um possível carro-bomba explodiu e danificou parte da fachada do prédio onde trabalhavam centenas de servidores públicos e o primeiro-ministro norueguês, que não ficou ferido. Total: sete mortos. Uma hora e meia depois, o fanático atacou um acampamento juvenil a 40 km da capital, onde ser reuniam cerca de 700 jovens do Partido Trabalhista, o partido do governo. A maioria entre 14 e 18 anos.

Até domingo, o saldo dos dois atentados era de 93 mortos, sendo 86 jovens, na Ilha. A polícia encontrou farta munição com o acusado, mesmo após o massacre. E ainda procurava corpos, no domingo (24) no lago do acampamento e na floresta, para onde muitos jovens fugiram, quando o atirador começou a fuzilá-los. Os dois ataques ocorreram num intervalo de duas horas. Segundo a polícia, ele utilizou balas tipo “dum-dum”, destinadas a se desintegrar dentro do corpo e causar o máximo de danos internos. Ou seja, tudo metodicamente planejado. Muitos jovens foram atacados dentro das barracas em que estavam acampados. Outros, quando fugiam.

Como administrar a crise

Atentados violentos perpetrados por franco-atiradores até agora tinham como principal alvo escolas americanas. Ataques a prédios têm ocorrido em zonas conflagradas por guerras ou países onde grupos políticos têm disputas históricas, principalmente do Oriente Médio ou nas repúblicas soviéticas. A maioria deles são atribuídos a grupos terroristas ou a fanáticos locais conhecidos das autoridades.

Nos Estados Unidos, o alvo dos atiradores são as escolas. Os autores quase sempre são pessoas com alguma ligação com a instituição. Atentados semelhantes ocorreram na Finlândia, Alemanha, China e, em fevereiro, no Rio de Janeiro, quando um ex-aluno matou 12 estudantes na Escola Tasso da Silveira. São casos isolados, geralmente atribuídos a psicopatas.

Mesmo para esses ataques, os países atingidos têm criado ações de prevenção, que começam pelo estudo dos casos, até estabelecer uma linha comum entre eles. Isso é possível hoje graças ao avanço da tecnologia e ao aumento da vigilância, após os ataques de 11 de setembro de 2001.

Estudo do serviço secreto americano apontou que nos 66 ataques em escolas ocorridos no mundo, entre os anos de 1966 a 2011, 87% dos atiradores sofriam bullying e foram movidos por desejo de vingança; 76% eram adolescentes com acesso a armas; e 70% deles ocorreram nos EUA. As conclusões permitem, de alguma forma, monitorar autores potenciais, detectar ameaças e evitar ataques surpresa por parte desses psicopatas.

Qual a validade desse estudo para o caso da Noruega? Quase nenhum. O autor, preso pela polícia logo após o atentado na Ilha de Utoya, não tinha o perfil dos alunos-problema, apurado no estudo americano. Entretanto, os especialistas em segurança admitem que o atentado tem muita semelhança ao ocorrido em Oklahoma, em abril de 1995, nos Estados Unidos. O americano Timothy McVeigh explodiu um caminhão carregado de explosivos em frente a um edifício federal, deixando 168 mortos e 500 feridos. A origem, portanto, é a mesma: fanatismo político, associado a distúrbio patológico.

Autoridades classificaram o atentado de Oslo como o “momento Oklahoma City da Europa”, porque o atirador, que trabalhava com agricultura, teria comprado seis toneladas de fertilizantes, em maio. O material pode ser usado para fabricar bombas, como aconteceu no atentado de Oklahoma..

A tragédia poderia ser evitada?

As conclusões dos americanos teriam pouca validade para o atentado da Noruega. Seria, portanto, bastante improvável um cidadão norueguês ser considerado perigoso nas avaliações de risco das autoridades locais. Dessa forma, muito difícil evitar ou mesmo amenizar a extensão da tragédia e os danos causados pelo atirador. Que plano de crise deveria ser preparado para uma reunião política, que teria a presença do primeiro-ministro, numa aprazível ilha que lembrava mais um convescote de férias, do que uma reunião partidária?

Para um país não acostumado a ameaças, provavelmente seriam tomadas as medidas de praxe para segurança das autoridades. Uma evidência de que a Noruega foi surpreendida por essa crise ficou demonstrada na falta de preparo da polícia em reagir ao ataque. Ela chegou à Ilha de Utoya cerca de hora e meia após o atirador ter começado a matar. Isso porque os policiais foram de carro e não de helicóptero, como seria lógico. Levaram mais 20 minutos para conseguir um bote.

Não ficou claro até agora se a polícia tinha equipamentos e armas apropriados para deter o atirador ou atiradores. O edifício onde o atentado ocorreu também pareceu muito vulnerável, comparado a prédios equivalentes em Londres e Washington.

O atirador só se rendeu quando a polícia o encontrou e não resistiu. Mas, então, já tinha matado pelo menos 85 pessoas. O atentado à Ilha (longe da cidade) também descarta, no entendimento de especialistas, a hipótese de o fato ter ligações com grupos extremistas islâmicos.

Entretanto, apesar de toda essa improbabilidade, já há informações que ligam o fanático norueguês a grupos extremistas britânicos. O assassino teria participado com outros membros de extrema direita de uma organização de Cavaleiros Templários, em Londres, em 2002. Ele publicou um manifesto de 1.500 páginas online, horas antes de ter cometido os assassinatos, condenando o multiculturalismo e a imigração muçulmana. Também teria deixado várias pistas nos sites de relacionamento, onde não esconde sua aversão a determinados grupos étnicos.

O atirador representaria uma tendência de extremistas de direita que vem se alastrando na Europa nos últimos anos, inclusive com tendências neo-nazistas. Essas informações, apuradas logo após o atentado, colocam em dúvida a capacidade e eficiência do serviço de inteligência norueguês, por não ter detectado as atividades suspeitas do assassino. Entretanto, não há evidências de que ele representasse uma ameaça, porque tinha uma ficha criminal relativamente limpa.

Pergunta-se também como é possível um único atirador acertar tantas pessoas, sem que ninguém, nenhum segurança, fizesse absolutamente nada. Havia um policial no acampamento, também morto pelo atirador. Violência com arma de fogo é algo raro na Noruega, onde os policiais nas ruas não portam armas. Mas a venda de armas é livre e a caçada é um esporte usual.

A possibilidade de acesso rápido à ilha também foi atrapalhada pela falta de preparo das equipes. Ou seja, não havia qualquer tipo de prevenção para uma tragédia dessa magnitude. Contrariando a lógica das crises, de que a maioria delas dá alguns sinais antes de acontecer, no “catastrófico evento psicopático” da Noruega, como o definiu o jornal The Guardian, realmente todos foram pegos de surpresa. Como ocorre em crises desse tipo, o despreparo ajudou a piorar a extensão da tragédia.

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