Mas a forma como essa entrevista foi concedida, se podemos chamar de entrevista, mostra como, mesmo autoridades experientes, acostumadas a agir sob pressão, são ingênuas e descuidadas quando se trata de lidar com a mídia. O New York Times foi apurar com o editor-executivo da revista, Eric Bates, os bastidores dessa reportagem. A história é triste para o general, mas educativa para quem lida com comunicação.
Como foi possível um general da importância de McChrystal desabafar inconfidências com um repórter de uma revista de variedades, como se fossem conversas de fim de semana com amigos, numa rodada de chopp? A história é muito interessante e o culpado não tem nada a ver com Afeganistão, está na Islândia. Trata-se do vulcão Eyjafjallajokull.
Segundo o NYT, Michael Hastings, o jornalista freelance, que escreveu a polêmica e provocativa matéria sobre o descontentamento do general McChrystal com os esforços de guerra, encontrou o militar e seu staff em Paris, no Hotel Westminster, exatamente quando da erupção do vulcão Eyjafjallajokull na Islândia, em abril. Como se sabe, o vulcão forçou o fechamento do espaço aéreo da maior parte da Europa durante vários dias.
O repórter, o general e o staff de mais ou menos dez pessoas estavam em Paris com o mesmo problema: tentavam conseguir um ônibus para chegar a Berlim e prosseguir a viagem. Já em Berlim, Hastings, então, ficou na cidade por quase uma semana, com o General McChrystal, no Hotel Ritz-Carlton, esperando que o espaço aéreo fosse liberado. Certamente aí começaram as conversas informais sobre a situação dos EUA no Afeganistão.
O editor-executivo da revista, Eric Bates, diz que, inicialmente, Hastings não estava escalado para viajar com o general e seu staff ao Afeganistão. Somente depois de chegar à Europa Hastings entendeu que o staff do general estaria disposto a que ele permanecesse no grupo. “Nós acertamos esta história antes de saber que teríamos acesso. Apenas queríamos traçar um perfil de McChrystal como o comandante da guerra no Afeganistão”, disse Bates ao NYT.
O repórter, que passou cerca de um mês com o general e o grupo, enquanto eles estiveram no Afeganistão, aproveitava para conversar com o general. Conversas que poderiam ser entrevistas, porque a maioria foi feita on the record, como assegura o editor da revista. “Muito poucas revelações do general foram off the record”, confirma o repórter.
O editor da revista negou-se a especular ao NYT, por que o general McChrystal foi tão franco na sua avaliação sobre a guerra. Além de criticar o presidente Obama, em determinado momento ele gracejou ou debochou do Vice-Presidente Joseph Biden: “Quem é esse”? perguntou. E fez um trocadilho com expressão inglesa vulgar. O editor assegura que se o general pretendeu ser tão direto ou não, este não é problema da revista. Mas ele deixou claro estar frustrado com o prosseguimento da guerra na administração Obama. Isso ele não escondeu.
Para o editor-executivo da revista “há uma enorme frustração lá onde eles sentem que as pessoas não percebem isso. E isso vaza através de várias declarações. Eles sentem que as pessoas que deveriam estar trabalhando com eles não estão ou não entendem qual é a estratégia”.
Perguntado pelo New York Times, se ele sentiu que o General McChrystal baixou a guarda porque era Rolling Stone, uma publicação devotada primeiramente à cultura pop e ao negócio de música, Eric Bates afirmou que esta não seria a primeira vez que uma figura política se abriu para a revista.
Ao finalizar as declarações ao NYT, o editor resume o que muitas vezes acontece com fontes tarimbadas e que se deslumbram diante de publicações ou repórteres famosos ou à frente de microfones e câmeras, fazendo declarações ou inconfidências das quais se arrependem amargamente pelo resto da vida.
“Na sua mente, eu acho que as pessoas muitas vezes esquecem quanto fazer reportagem está no DNA da Rolling Stone, disse Bates. “E há um certo glamour ligado ao nome. Não sei realmente se este foi o caso com o general. Mas em geral, eu diria que algumas vezes as pessoas ficam excitadas por estar na revista”.
O resumo da ópera é que as declarações do general criaram uma tremenda crise para Obama. O presidente americano não poderia manter o general, que segundo informações tinha um alto prestígio na Casa Branca, porque significaria quebra da hierarquia militar. O discurso de Obama, pronunciado quando da demissão de McChrystal, além de uma rara peça retórica, é um alerta a todos os militares americanos.
Mesmo assim, as inconfidências do militar escancaram uma discussão e questionamentos que só nos bastidores do governo e em algumas publicações eram trazidas a público. Se a entrevista ou a conversa informal do general serviu para criar uma tremenda crise pessoal, para ele, e outra para o governo americano, pelo menos também foi útil para a sociedade americana repensar a guerra do Afeganistão.
Como lição, vale aquela velha máxima de que não existe conversa informal com jornalista, a não ser em casos excepcionais. Qualquer declaração de uma autoridade em on ou até mesmo em off poderá ser primeira página do jornal ou chamada de TV no dia seguinte. Ou cair nas redes sociais, em poucos minutos. Se você não gostaria de ver publicado, talvez seja melhor repensar suas estratégias. (24/06/10)