Guia de gestão de Crises para escolasAna Flavia Bello* e João José Forni**

As escolas brasileiras pedem socorro. E não é só pela falta de recursos, pelo dinheiro da merenda, pelos salários baixos dos professores, pela falta de Internet, tecnologia e infraestrutura, pelo êxodo dos alunos, na pós-pandemia... Há outros lobos rondando o ambiente escolar.

Reportagem do G1, publicada em 25/11/22, alerta que o Brasil já registrou 12 ataques em escolas considerados graves. Só em 2022, aconteceram três deles, sendo que o último foi recente: em 25 de novembro, em Aracruz-ES. Um ex-aluno, com surto psicótico, atacou duas escolas, armado com um fuzil, e matou três pessoas, entre elas uma menina de 12 anos, e deixou outras 13 vítimas feridas, entre elas crianças.

O tema de resposta a emergências em escolas é urgente e merece um olhar cuidadoso e especial, tanto pela presença inerente de crianças e adolescentes, quanto pelo expressivo aumento dos riscos nos ambientes educacionais. Em outros países ao redor do mundo, a cultura da segurança e proteção integral nas escolas já está consolidada: ações de prevenção e preparação para situações críticas e adversas acontecem regularmente. O que nem assim inibe a ação dos chamados ‘lobos solitários’, atiradores psicóticos que invadem locais de aglomeração, como escolas, boates, quartéis, igrejas e chegam atirando em quem cruzar o seu caminho.

Aqui no Brasil, ainda temos muita oportunidade para evoluir neste tema, a começar por ampliar a conscientização e promover a sensibilização das lideranças e demais agentes do setor de educação, para que estes considerem o assunto da preparação das escolas para emergências dentre suas pautas prioritárias.

Diante deste cenário tão preocupante e comovente, a Cosafe se reuniu com alguns especialistas dos setores privado e público, para criar e divulgar um Guia Especializado em Respostas a Emergências em Escolas, com foco principalmente em situações de ameaça à vida!

A publicação tem como objetivo contribuir para o amadurecimento do tema e dar um norte aos dirigentes escolares, educadores, pais e responsáveis e profissionais da área de segurança e proteção, para que estes promovam as mudanças mais do que necessárias neste campo, contribuindo para a implantação e consolidação de práticas que protegem e salvam vidas.

Os autores do Guia foram: Ana Flavia Bello (CEO da Cosafe LATAM); Heloísa Misae (Especialista em emergências, crises e continuidade de negócios); Otávio Novo (Consultor em gestão de riscos e crises); Nelson Ribeiro (Coordenador de Proteção da Defesa Civil de Curitiba-PR) e William Silva (Diretor de gestão de riscos e desastres da Defesa Civil de Nova Lima-MG).

O Guia foi lançado em 8 de dezembro, em uma “Live’ com convidados que, além da experiência vivenciada em situações de risco, participaram da criação do Guia. Ele está disponível para download gratuito, no site da Cosafe.

Suzano sp atentadoCom ambiente escolar cada vez mais pressionado, escolas se tornaram um lugar perigoso?

A pandemia afetou a população de todo o mundo, mas uma das áreas mais castigadas foi a educação, não importa a região, o nível socioeconômico, o tamanho do país: todas as crianças e adolescentes em idade escolar foram afetados pelos efeitos da Covid-19. A pandemia apenas agravou o que já vinha acontecendo nos últimos anos, principalmente em países onde a educação nunca foi uma prioridade dos governos, como no Brasil. Basta comparar as colocações dos estudantes brasileiros em testes de conhecimento, como o PISA, da OCDE, por exemplo.

Um atentado por dia

A violência tem sido uma crise recorrente nas escolas, nos últimos anos. Nos Estados Unidos, parece haver uma compulsão por atentados a tiros a escolas. Depois do ataque à escola Columbine, em 1999, quando dois ex-alunos mataram a tiros 12 estudantes e um professor e, anos depois, o mais letal atentado, contra os alunos da Sandy Hook Elementary School, de Connecticut, em 2012, que redundou na morte de 20 crianças e seis professores, parece que nada poderia ser pior. Atentados a escolas nos EUA viraram uma triste e trágica rotina, para a qual o país não conseguiu ainda detectar o antídoto. O FBI já fez estudos para tentar prevenir esse tipo de crime, procurando traçar o perfil dos atiradores, com características que permitissem identificar potenciais criminosos e, assim, se antecipar ao risco; a cada atentado, autoridades do Executivo, o Congresso Americano e entidades de direitos civis pressionam por mais aperto na legislação americana para compra de armas, uma das mais liberais do mundo. Passado o choque emocional, o poderoso lobby da NRA (National Rifle Association), via partido Republicano, acaba boicotando eventual tentativas de limitar a compra e circulação de armas.

Foi assim que, este ano, no Texas, o país viveu outro pesadelo. Em 24 de maio, na pequena cidade de Uvalde, Texas, perto da fronteira com o México, o tiroteio foi na escola fundamental da pequena cidade. Um jovem de 20 anos, com roupas camufladas, entrou no prédio atirando com um fuzil, matando 19 crianças, a maioria de pouca idade, e dois professores. Foi mais um capítulo doloroso e inexplicável, na triste história americana de violência em escolas, casas de diversões, no transporte e até em unidades militares.

Para se ter uma mínima ideia do que representam para os EUA os atentados a atiros, em 2021 foram contabilizados 690 eventos, onde ocorreram tiroteios com ou sem vítimas. O total de mortes nesses eventos, tanto pelos assassinatos quanto por suicídios chegou a 594 naquele ano. Em 2022, até novembro, já haviam sido contabilizados 604 eventos violentos com tiros no país.

Realengo homenagem aos mortosGestão de risco pode mapear riscos e crises

Atentados são apenas uma das ameaças que pairam sobre as escolas, não apenas no exterior, mas também no Brasil. Há todo um cardápio de crises tradicionais e que podem representar risco para alunos e professores. Greves, bullying, sequestros, incêndio, desabamento, desastres naturais, plágio, pedofilia, crises financeiras no estabelecimento de ensino, etc.

Em “Live”, realizada em 8 de dezembro último, a CEO da Cosafe LATAM, Ana Flávia Bello ancorou uma conversa com a equipe que produziu o Guia Especializado em Respostas a Emergências em Escolas. Nessa conversa, além de explicarem como reuniram as informações para produzir o documento, os interlocutores, principalmente os da Defesa Civil, destacaram o trabalho que já está sendo feito em escolas de Curitiba, há alguns anos, e de Nova Lima-MG, mais recentemente. Ressaltaram a importância de os membros do Grupo de Crise da escola terem conhecimento mínimo de Gestão de Riscos e Crises.

O mapa da crise

Entre categorias de crise que devem ser levadas em conta, segundo os participantes da “Live”, destacam-se:

- Contaminação alimentar dos alunos, na escola;

- Vazamento de produto tóxico;

- Cuidados com a saúde mental;

- Segurança: acessos, triagem, identificação, etc.

- Infraestrutura: segurança dos prédios, instalações, banheiros, quadras de esporte, ginásios, brinquedos, incluindo risco de incêndio, etc.

- Abusos: assédio moral, sexual, racismo, homofobia, pedofilia, etc. 

- Casos de bullying ou disputas entre grupos ou facções;

- Furto: educação preventiva e reativa;

- Vandalismo, destruição do patrimônio, equipamentos, etc;

- Greves;

- Violência no ambiente escolar.

Essa é apenas uma pequena mostra sugerida na conversa dos especialistas, para se ter uma ideia da vasta gama de problemas que podem se transformar em crises, na área educacional. Levantamento feito para este site, como subsídio para palestras em unidades de ensino, selecionou cerca de 50 tipos de crises que podem afetar o ambiente escolar. Na medida em que novas tecnologias aparecem e os problemas sociais se agravam, as crises nas escolas do país tendem a se agravar.

Os especialistas que participaram da 'Live" recomendam cada escola construir o próprio Mapa de Risco, até porque ele as realidades locais são diferentes, envolvendo nível da escola, localização, poder aquisitivo, natureza da gestão, etc.  Outro fator decisivo para criar uma ‘cultura de gerenciamento de crise’ nas escolas é selecionar a equipe de crise. Quem vai cuidar de quê? Até porque se a escola optar por fazer treinamentos de crise, deve levar em conta que isso pode assustar as crianças, dependendo da idade da criança e do tipo de simulação. Um exemplo é como mapear as áreas de escape, no caso de uma emergência: acidente ou ataque? Para onde as crianças iriam no caso de emergências, como atentados, tiroteio na região, incêndio, explosão, terremoto, inundação? É preciso mapeá-las com realismo, sem catastrofismo, e treinar as crianças, sem criar uma sensação de insegurança ou pânico. Tudo isso faz parte de um processo de gerenciamento de risco, que precisa ser construído junto com as autoridades do município ou estado, a Defesa Civil, a direção da escola, o corpo docente, os pais e os alunos.

Outro aspecto importante discutido na “Live” diz respeito a quem vai cuidar das crises, nas escolas, já que os professores têm funções bem específicas e não estão treinados e familizarizados com o tema. A Defesa Civil de Curitiba-PR tem uma experiência bem sucedida e o Coordenador de Proteção do órgão, Nelson Ribeiro, conta na exposição feita na ‘Live” (acesso abaixo) como iniciou esse trabalho há mais de dez anos e como disseminou essa cultura nas escolas municipais da cidade, numa articulação muito eficaz com outros intervenientes municipais. Em dez anos, 170 escolas públicas da região de Curitiba (100%) estão treinadas e conhecem pelo menos os procedimentos básicos de gerenciamento de crises. O objetivo agora é estender a prática para escolas privadas.

Da mesma forma, o diretor de riscos e desastres da Defesa Civil de Nova Lima-MG, William Silva, que participou da ‘Live’. Ele já tem uma excelente experiência com as populações que vivem na região, rodeada de barragens de mineração e de água, próximas a Belo Horizonte. Eles catalogaram 49 barragens que, a rigor, representam riscos à população, havendo necessidade de treinamento de emergência, por serem consideradas estruturas sensíveis. O diretor enfatizou a necessidade de despertar na população, nos empregados e nos empresários a cultura prevencionista. Só assim esse trabalho de alerta de riscos, monitoramento e treinamento pode dar certo. Segundo o especialista em gerenciamento de crise americano Jonathan Bernstein, cada gerente do seu negócio, deve ser um "Risk Manager".

Para mais informações sobre o trabalho que vem sendo feito em Curitiba, Nova Lima e Niterói, o conteúdo da ‘Live” está disponível para quem quiser escutar.

Segurança nas escolas – Assista à Live de 9 dez 2022.

Fotos: Suzano-SP, atentado. Escola Tasso da Silveira, Realengo, RIo de Janeiro. Monumento às vítimas do atentado.

*Ana Flávia BelloFormada em Comunicação Social pela UFPR, especialista em administração de Empresas pela FGV-SP e Mestre em Administração Estratégica  pela PUC-PR. Professora e palestrante para temas de Comunicação e Gestão de Crise. Executiva com mais de 30 anos de autação em Comunicação. Atual CEO da Cosafe LATAM.

** João José Forni, jornalista, formado em Letras e Jornalismo. Mestre em Comunicação pela UNB. MBA em Gestão Estratégica, pela FEA/USP. Professor de Pós-graduação de Comunicação das Organizações, com foco em Gestão de Crises. Consultor de Comunicação, autor do livro “Gestão de Crises e Comunicação – O que gestores e profissionais de comunicação precisam saber para Enfrentar Crises Corporativas” (Atlas, 2019, 3ª edição)

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