Os Estados Unidos vivem na linha de tiro. Como os personagens principais do filme de 1967, “Bonnie e Clyde: uma rajada de balas”, é assim que as crianças e os jovens americanos se sentem hoje, quando vão para o colégio. Ontem ocorreu o 45º atentado a tiros com vítimas fatais este ano, nos EUA, em uma escola comunitária de Umpqua, Rosenburg, no estado do Oregon, deixando 10 mortos (um deles o atirador) e sete feridos. Uma triste rotina que, pela recorrência, não deveria mais nos surpreender. Por que uma das economias mais poderosas do mundo, que se atribui o papel de juiz de várias revoltas e guerras em outros países, é incapaz de proteger suas próprias crianças?
Um irritado Barack Obama disse que tiroteios “se tornaram uma rotina” e que o país fica antestesiado cada vez que ocorrem. "Como eu disse apenas alguns meses atrás e eu disse há alguns meses antes disso, cada vez que vemos um desses fuzilamentos em massa, nossos pensamentos e orações não são suficientes. E não se faz nada para evitar esta carnificina que acontece em algum lugar na América, na próxima semana ou um par de meses a partir de agora ", disse o presidente. "De alguma forma isso se tornou rotina." Só na gestão de Obama foram 15 atentados.
O jornal britânico The Guardian publicou hoje (2) um mapa (Mass Shooting Tracker) com os assassinatos e ferimentos registrados em 994 atentados a tiros, ocorridos nos últimos 1004 dias, nos Estados Unidos, ou seja, desde 1o de janeiro de 2013 e os números são assustadores: 1.260 mortes; 3.606 feridos. Uma média de quatro ou mais pessoas feridas a tiros a cada dia. Não estamos falando de assassinatos por brigas, assaltos ou outros tipos de crimes. Apenas atentados contra pessoas, por fanáticos.
Apesar da comoção ocorrida em 2012, quando um atirador matou 26 pessoas (20 crianças) na escola elementar Sandy Hook, em Connecticut, todos os esforços de Obama para restringir a compra de armas não logrou êxito, porque o partido Republicano não quer se desgastar com a poderosa indústria de armas National Rifle Association-NRA. Esse é um tema tão tabu ou pelo menos muito difícil de um consenso quanto a redução da maioridade penal, no Brasil. Enquanto se discute onde se quer chegar, os crimes continuam acontecendo.
Em agosto, quando do assassinato de dois jornalistas, ao vivo, num canal de TV, a pré-candidata democrata à Casa Branca, Hillary Clinton também se manifestou: "Ninguém está ousando dizer o que todos sabemos que é verdade: necessitamos pôr fim à violência com armas que afeta nossas comunidades. Depois dos terríveis acontecimentos da quarta-feira, com dois jornalistas assassinados ao vivo na televisão, mais um policial assassinado na Louisiana, e muitas outras vítimas perdidas diariamente em uma carnificina que passa despercebida pelo nosso país, não sei como ninguém chega à conclusão de que algo está profundamente errado", declarou.
Um assassino recluso e estranho
O atirador, Chris Harper Mercer, 26 anos, vivia com a mãe, migrando de cidade, recluso, usava a mesma roupa todos os dias - botas de combate, calças Exército verdes e uma T-shirt branca - e estava sempre perto da mãe, que o protegia ferozmente, na descrição de um vizinho. Eles se lembram de um jovem solitário e aparentemente frágil, com a cabeça raspada e óculos escuros, que parecia ter medo da interação social. Não consta que tenha sofrido bullying na infância, como a maioria dos atiradores em atentados anteriores, segundo levantamento do FBI. Há antecedentes de fotos do atirador na Internet, segurando um rifle e tinha antipatia por qualquer religião. Ele teria perguntado aos alunos se eles seriam cristãos, antes de atirar.
O perfil do atirador de timidez e isolamento é muito parecido com o de Paulo Anthony Ciancia, jovem de 23 anos, que invadiu armado o aeroporto de Los Angeles em fevereiro deste ano, para cometer um massacre e, mesmo contido pela pronta intervenção da polícia, ele matou um agente de segurança e feriu sete pessoas.
Hoje, a polícia local descobriu várias armas no apartamento do atirador. No momento do crime, ele carregava três pistolas, um rifle semiautomático e um colete à prova de bala. De origem britânica, o jovem mudou-se para os Estados Unidos quando ainda era criança. Em páginas de sites de relacionamento que seriam do atirador, ele se identifica como conservador republicano e fã do grupo radical irlandês IRA.
O pai do jovem, que não vivia com a mãe, se disse “chocado” com o ato praticado, segundo a CNN. "Eu não posso responder a quaisquer perguntas agora. Tem sido um dia devastador, para mim e minha família. Chocado é tudo que posso dizer."
Como registramos no artigo “Não há solução simples para prevenção, diz Polícia americana”, sobre o atentado em Los Angeles, em fevereiro, até os serviços de prevenção são difíceis nesses casos, a não ser medidas radicais como algumas escolas tentaram adotar: professores e agentes armados, revista na entrada da escola e outros procedimentos invasivos. Mas isso não significa que o risco de atentado acabe.
Como disse um agente de segurança em Lons Angeles, aquele ataque não se enquadra como terrorismo no qual os protocolos de segurança existentes foram criados para combater. Ele se encaixa mais nos atentados que costumam ocorrer em escolas e locais de trabalho. Segundo Brian Michael Jenkins, especialista em segurança da Corporação RAND, o aumento de segurança em espaços públicos lotados pode não valer a pena, por questões de custo e desafio.
“Se uma pessoa tem o acesso negado a um aeroporto cheio, ela pode ir a uma estação de trem, ônibus, supermercado, ou um teatro, como vimos em Aurora, ou um shopping, como vimos em Nairobi, no Quênia, ou à Times Square”.
Como diz um diretor de segurança de uma administradora de aeroporto: "Não existe segurança absoluta. Por mais instrumentos de prevenção, sempre existirá algo que escapou ao controle. O que podemos é minimizar, mitigar as crises, aprimorando os mecanismos de gestão de riscos". Esse é o desafio do FBI que vive estudando por que os atentados acontecem e tentando aprimorar a gestão de riscos com a identificação dos atiradores potenciais, jovens que geralmente sofreram bullying na infância, vivem isoladamente e têm extrema inclinação por armas e atos violentos. Essa é uma crise interna que os EUA, por mais cuidado que tomem com a segurança em relação a terroristas externos, o país não consegue resolver.
Foto: Michael Sullivan/AP
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