O que um líder deveria fazer num momento grave de crise? Principalmente quando precisa do apoio de todo o país para sair da crise: constituintes, imprensa, trabalhadores, políticos, Legislativo, Judiciário, religiosos, empresários, enfim, de toda a sociedade? Comparecer a um evento público e fazer um discurso rancoroso, soberbo, autossuficiente, arrogando-se o dom da pureza e da imunidade? Desafiando todos os brasileiros, como se ele fosse uma reserva moral do país? Ou falar mais com o coração, do que com a mente e o fígado?
E se esse líder tivesse falhado na missão que lhe foi confiada? Um político ou um empresário, quando eleito ou escolhido para comandar uma empresa, uma grande organização ou até mesmo um país recebe uma delegação de quem o escolheu. Para isso, precisa comandar e cumprir a missão, mesmo no meio de crises, buscando apoios, adesões para conseguir enfrentar os momentos difíceis. Precisa também de credibilidade, clareza de propósito e capacidade de diálogo. Mas isso só não basta.
No meio da crise, o líder carismático aglutina, seduz os aliados; e atrai, conquista os adversários, principalmente se a crise for grave. Um líder carismático e empático tem mais sucesso durante uma crise. Reações emocionais e arrogantes não contribuem para melhorar a relação com os interlocutores, principalmente quando esse líder está fragilizado. Nas crises, são sinais de fraqueza ou insegurança.
O que vimos em São Paulo, no último dia 13, num pronunciamento da presidente Dilma, na convenção da Central Única dos Trabalhadores-CUT? Exatamente o contrário.
Aproveitando um auditório com cerca de dois mil militantes do partido, propício a aplausos, ao invés de adotar um discurso de conciliação, já que a crise que o país enfrenta se deve, basicamente, à série de erros protagonizados pelo seu governo, a presidente fez o contrário. Destilou um discurso político onde o tema foi a "tentativa de golpe" que estaria sofrendo, desqualificando os adversários políticos e os movimentos para lhe cassar o mandato. Foi um discurso escolhido a dedo para aquela plateia, que, naturalmente, adorou.
Sob o argumento da defesa contra os que “tramam” um processo de impeachment, a presidente foi para o ataque, com a arrogância e as confusões mentais que lhe são peculiares. Esforçou-se para se manter fiel ao script redigido pela assessoria. Falou mais do que devia e menos do que o país precisa ouvir e saber, neste momento grave.
Há quase dez meses enredada numa crise política, econômica, institucional e ética, para ficar só nessas, a presidente não consegue governar. E não é só por culpa da oposição ou do Congresso. Deve-se, principalmente, ao imbróglio criado pelo próprio governo no primeiro mandato. E do qual não consegue sair por erros de gestão, inaptidão, inexperiência política e até mesmo autossuficiência de quem devia liderar.
A presidente não soube cultivar alianças, por não gostar de fazer política, e, apesar dos alertas de especialistas, deixou a economia na mão de técnicos que comiam pela sua mão, e jogaram o país na crise. Queimou o ativo do marketing criado por Lula de “gerente competente”, ao deixar um legado negativo na história de dois setores que estiveram sob seu comando desde o primeiro governo Lula: o petróleo e a energia. Ambos atravessam hoje uma crise sem precedentes, de que são exemplos os descalabros na Petrobras e a crise no setor elétrico, que acabou caindo no colo dos consumidores e das usinas termoelétricas.
É de se perguntar: qual a contribuição desse pronunciamento para melhorar as relações com o Congresso e a sociedade? E, mais importante, para ajudar na solução da crise e pacificar o país? A reação com um discurso áspero e rancoroso seria a melhor defesa às ameaças de um impeachment? Se, como a presidente diz, ninguém no país tem “força moral” e reputação ilibada para ameaçar seu mandato, se todos os pseudoconspiradores têm culpa no cartório, por que a virulência e a excessiva preocupação? E se a "reserva moral" lhe assegura essa reação, por que Lula está correndo em direção a Eduardo Cunha para tentar um "abraço de afogados"?
Humildade ameniza a crise
Falta à presidente da República uma qualidade essencial para a liderança: a humildade. Essa virtude, de que tantos filósofos e ascetas falaram e consagraram, continua a ser umm diferencial de todo o exercício de liderança: na família, no trabalho, na comunidade em geral, em nossa vida como cidadãos e, principalmente, como líderes. Se a humildade já seria uma virtude decisiva naqueles líderes amados, que acertam e governam com amplo apoio das massas, o que dizer daqueles que estão com um índice de rejeição acima dos 90%? Como é o caso da atual presidente.
Pesquisa do Instituto Data Folha, publicada no dia 14, diz que 61% dos brasileiros querem a renúncia da presidente. Talvez nunca tenha acontecido fato semelhante na história do país, com um presidente, antes de completar dez meses de um mandato. Dilma corre o risco de entrar para a história como a presidente que terminou o mandato sem ter começado; e o de ser considerada um dos piores chefes de Estado que o país já teve. Nem aqueles que foram apeados do poder, como Washington Luiz, Fernando Collor e Getúlio Vargas, este no primeiro governo, estiveram com tão alto índice de rejeição e com uma crise dessa dimensão no início dos governos deles, como se encontra a atual presidente. E por que a soberba? A arrogância? O rancor? Não teria sido melhor fazer um discurso de conciliação, como pregam até mesmo pessoas de seu partido?
Já se escreveu ad nauseam, nos últimos meses, dezenas e dezenas de artigos, análises e relatórios sobre os erros deste governo, na economia, na gestão pública, na ética, na forma de fazer política. A presidente e os que a apoiam vivem se queixando da pressão que a oposição e os movimentos organizados fazem sobre sua gestão. Elegeu a mídia como um partido da oposição. Nos últimos dias, a presidente tem ensaiado reconhecer que errou, mas não teve, e provavelmente não terá, a humildade de ir a público e admitir que sua atuação no primeiro mandato levou o país para o buraco em que se encontra; e que estaria disposta a fazer um pacto de conciliação reunindo contribuições de todas as lideranças do país. Mas não. Ela e seus mentores vão buscar apoio em líderes da Unasul, entidade controlada ainda pelo idólatras do fantasma de Chávez, na Venezuela. Enquanto isso, o Brasil passa a ser citado nas reuniões dos fóruns internacionais e na mídia estrangeira como o emergente que enfrenta a mais grave crise econômica dos últimos anos. Quando não, sendo chamado de “o país que afundou”.
Além do discurso inapropriado, a presidente resolveu abusar da inteligência dos brasileiros ao afirmar: “o meu governo e o governo do presidente Lula propiciou e estimulou o mais enérgico combate à corrupção de nossa história”. Ela poderia ter-nos poupado dessa declaração, nem tanto pelo apelo retórico, para agradar a plateia de apoiadores, mas por atropelar os fatos e negar o que os órgãos fiscalizadores comprovaram. Lamentavelmente, o seu governo, incluindo o do presidente Lula, vão ser marcados como os mais corruptos da história da República, tanto pelo volume dos recursos desviados, na casa de bilhões de dólares, quanto pela engenhosa criatividade em montar um esquema de distribuição de propinas no país e no exterior, com o descarado aparelhamento das empresas estatais.
"O momento do Brasil, no entanto, não tem ajudado, dando impressão pelas vendas, que nada está acontecendo. A partir do segundo trimestre de 2015, o Brasil parou. Foi como se alguém tivesse apagado a luz no meio da caminhada.” (Comunicado de uma grande Editora nacional, enviado esta semana, aos colaboradores).
Enquanto a presidente estiver achando que discursos agressivos irão solucionar a crise, o país continuará à deriva. Nas crises, os verdadeiros líderes fazem-se responsáveis perante aqueles que se reportam a eles, sabendo que essas são as pessoas que lhes dão poder. Particularmente durante uma crise, as pessoas olham para essa voz poderosa em busca de uma grande visão e uma esperança de solução. Como fizeram os britânicos, durante a II Guerra, ao se concentrarem para ouvir os discursos do rei Jorge VI e do primeiro-ministro Winston Churchill. Eles correspondiam ao que se preconiza no bom porta-voz: tinham credibilidade; eram convincentes e compreensíveis, por falarem de forma simples e cordial. Não podiam entregar muito, nem mesmo esperança, mas lhes davam pelo menos um propósito.
A humildade também é saber que não importa o que um líder faz em uma crise, porque ele nunca será capaz de ajudar ou de satisfazer a todos. E até mesmo reconhecer os próprios limites, e não achar que o mandato lhe dá o dom da sabedoria e da infalibilidade. O que realmente importa é fazer o melhor que esse líder pode fazer. Um líder pode trazer clareza a situações difíceis, como a que estamos passando, e incutir a confiança que a população precisa. As pessoas, assim, sentem-se seguras e mais confiantes para enfrentar os problemas com esse tipo de líder.
Mas para isso, voltamos à humildade. Se um líder é incapaz de reconhecer seus erros, não tem a humildade de buscar o apoio mesmo daqueles que o criticam, preferindo fazer acordos espúrios com alguém que está acusado de corrupção, para salvar o mandato, esse líder perde a autoridade e a credibilidade para criticar os que buscam, na forma da Lei, questionar o seu mandato. Muito menos apelar para discursos rancorosos, como se ele, pelo fato de ter sido eleito, fosse intocável e a única vestal do país. Humildade, ainda que tarde.
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Pouca-vergonha - O Estado de S. Paulo