Bahia turismoO Brasil se prepara para receber milhões de turistas domésticos e estrangeiros nos próximos anos. Apesar dos alertas e das promessas, a falta de profissionalismo, respeito e atenção ao turista continuam às vésperas dos dois maiores eventos esportivos do planeta. O foco, no caso é a Bahia, estado famoso exatamente pelo produto mais conhecido, o turismo.

Amadorismo, preços abusivos, descompromisso com horários, instalações e transporte precários para receber turistas, além de total falta de segurança em passeios marítimos, acendem um sinal amarelo na Baía de Todos os Santos.

Uma rápida passagem por Salvador, em uma semana, permite uma pequena mostra do que deve estar acontecendo no Brasil. Continuamos a praticar um turismo amador e improvisado. Nota-se um esforço para imitar grandes cidades do mundo. Mas quando você é o cliente, percebe como estamos longe de ser referência em turismo.  Não precisa muito esforço para constatar, em eventos simples, como taxistas, guias, donos das empresas de turismo, além dos hoteleiros e garçons, tratam os turistas nacionais e estrangeiros.

Se não, vejamos.

•    A recepção amadora começa na chegada. Desconsideração para traslado marcado no Aeroporto Internacional de Salvador. Apesar da hora marcada e do voo ter chegado no horário, o ônibus para transportar os turistas chega quase duas horas depois. Nenhuma alegação procedente, apenas as desculpas de sempre. Trânsito, outra viagem, falta de informação, etc. “Está chegando, aguardem!”. “Está vindo...”

•    A tecnologia passa ao largo de alguns hotéis grandes, de categoria turística. O processo de check-in é parcialmente manual. Demora em conferir listas e pessoal despreparado para atender grandes excursões. O turista é convidado a sentar para aguardar o empregado achar seu nome na lista. Só então é chamado para o check-in. Turistas com reservas confirmadas, também tiveram a decepção de não encontrar o registro, na chegada. Imaginem 50, 100, 500 pessoas chegando, numa excursão para a Copa do Mundo, num desses grandes hotéis.

•    Restaurantes – Não adianta o hotel ter “room service” se não tem opções para o turista. Apenas um exemplo. 21 horas:  “esta hora não temos pão, porque nós fabricamos o pão e a fabricação só começa à meia noite”. No restaurante do hotel,  no primeiro dia da excursão, como o prato solicitado não chegou, após uma hora de espera,  foi cancelado. Na opção do restaurante na beira da praia, pelo menos o prato veio. Mas trocado. Não era o que o turista pediu. 

•    Pacotes de turismo, passeios. Como em toda a cidade turística, Salvador não foge à regra. Guias vendem pacotes de passeios para todos os gostos. Realmente a Natureza fez sua parte. Além da paisagem belíssima e de um sol tentador, os habitantes da cidade são extremamente receptivos e alegres. Pena que tudo isso não foi combinado com as agências de turismo e os guias ou agentes.

•    Após as boas-vindas de praxe, na primeira oportunidade a oferta, natural, de “pacotes’ de passeios aos turistas. De city-tour a viagens tentadoras de barco, de dia ou de noite.  Difícil até escolher. Os preços nada convidativos, mas vá lá. Se você não conhece, por que não experimentar?

•    O problema começa no horário combinado para apanhar o turista no hotel. Houve casos de até duas horas de atraso. Sem nenhum aviso. Quando o turista reclama, há um jogo de empurra entre os guias e motoristas. O motorista não encontra os turistas e estes não o encontram. Um autêntico samba do crioulo doido. Resultado: atrasos em cadeia nos outros hotéis.  

•    Após o turista ser encontrado no hotel, deve se preparar. Trajetos de ônibus ou van por quase duas horas num engarrafamento monumental, tanto pela manhã, quanto à noite, no início e no fim do passeio. Pela manhã, ante a expectativa do passeio, ainda é palatável. Mas à noite, após um dia de sol, haja paciência numa "viagem" dessas.

•    Imaginem crianças, horas confinadas no trânsito. Em nenhum momento, na hora da venda do pacote, os guias alertam que o trajeto será demorado. Também não avisam que os ônibus ou vans farão um pinga-pinga por hotéis, pegando outros turistas. No fim do dia, você pode ter passado até cinco horas dentro de uma van ou ônibus; e todo mundo com sono e fome acaba rezando para a viagem chegar ao fim.

•    Preços abusivos.  Não é exclusividade da Bahia. Turista no Brasil, não importa se brasileiro ou estrangeiro, traz a placa na testa: deve ser explorado. Sem contemplação. Isso vale para táxis. Em qualquer trajeto. Do aeroporto a hotel na zona norte de Salvador, mais próximos, a tabela é R$ 95,00 em táxis especiais, mesmo que táxis comuns cobrem R$ 40,00. Essa prática se aplica a excursões, refeições e lanches. Um picolé comum pode variar de R$ 3, numa praia de Itaparica, a R$ 6 em restaurantes na orla da cidade. Fica a impressão de o preço ser fixado pela cara do cliente. Naturalmente que o turista não deve cair na primeira indicação.

•    Internet é um luxo em alguns hotéis. Na maioria dos países com tradição turística e muitos hotéis brasileiros, a internet é livre, com ou sem wireless. Na Bahia, como de resto deve acontecer em vários lugares do Brasil, pelo menos alguns hotéis de categoria turística cobram R$ 15,00 por dia para liberar internet nos apartamentos. Livre, só no hall de entrada. Difícil um turista estrangeiro entender essa prática totalmente absurda. Além disso, a rede é lenta e intermitente, quase parando. Se durante a Copa,  jornalistas ou turistas precisarem trabalhar com arquivos pesados, o placar do primeiro tempo vai chegar no exterior durante a prorrogação. Melhor ir para a praia.

Não há qualquer esquema de prevenção de naufrágio

•    Se o turista na Bahia conseguir escapar dos contratempos no hotel ou restaurantes, ele poderá chegar ao "porto", no centro de Salvador, para relaxar e embarcar num dos inúmeros barcos, catamarãs e lanchas que fazem passeios pela Baía de Todos os Santos. O problema é não haver qualquer esquema de segurança para prevenir acidentes fatais por naufrágio. Ali prevenção de crise fica em terra, não embarca.

•    Num barco de porte grande, apertam-se 180 pessoas para um "Passeio às ilhas". Ilhas, no caso, seriam apenas duas: Ilha do Frade e Ilha de Itaparica. Nenhuma instrução sobre como se comportar no caso de um acidente, naufrágio, batida, pânico, tempestade ou uma eventual pane. Nenhum passageiro, sequer crianças, viaja com colete salva-vidas para fazer o trajeto de 1h40 min até a Ilha do Frade. O batuque do samba abafa qualquer tipo de questionamento. Pedir colete salva-vidas naquele clima pode parecer fora do tom.

•    A operadora vendeu o “pacote”, mas não conferiu se o acesso à Ilha do Frade estava liberado. Quando o barco com 180 pessoas chegou, o desembarque foi impedido. O acesso à Ilha estava bloqueado por entulhos de uma obra da empreiteira que pretende construir um resort no local. Inacreditável.

•    Naturalmente, a excursão Tabajara gerou confusão. Uma das guias de turismo do barco, que sabia sambar muito bem, pressionada por uma solução – já que o desembarque na Ilha, apontada como uma das maravilhas do passeio, estava previsto -  e sem argumentos para explicar o “mico”, resolveu dar uma de esperta. Alegou que o passeio era pela Baía de Todos os Santos e não implicava desembarcar nas Ilhas. “Os guias não explicaram direito ao senhor, então”.

•    Naturalmente, essa saída “à brasileira” irritou muitos turistas que compraram um pacote vendido como “passeio às Ilhas” e não para dar voltas de barco. Quando pressionada, a guia alegou que reclamassem com a empresa que vendeu o pacote. No caso, ela e outra colega eram funcionárias da mesma empresa que vendeu o pacote, como comprovava a camiseta que usavam.  

•    Para descer na Ilha do Frade seriam necessários barcos menores,  para levar as 180 pessoas em grupos pequenos, o que demandaria muito tempo. Naturalmente, não havia barcos; como não havia um Plano B. E ninguém desceu, apesar de todos terem fetio aquela "viagem" com esse objetivo e pago para isso.

•    Foi o que aconteceu 40 min após, na próxima Ilha, a de Itaparica. Lá o barco principal com os turistas não chega  à praia, porque o mar é raso. Há uma boa distância da praia. Os passageiros precisam descer por uma improvisada escada para se acomodar num pequeno barco. Apertados, em estreitos bancos de madeira, cabem 30 pessoas. Da mesma forma, uma viagem perigosa. Não foram oferecidos coletes salva-vidas. Um simples emborcamento do barco, ainda em águas profundas, certamente se transformaria em tragédia, porque a maioria das pessoas eram idosas e não sabiam nadar. Alguns poucos passageiros exigiram coletes salva-vidas, antes de se aventurar no “barquinho”.  Meio a contragosto, a tripulação trouxe os coletes da parte inferior do barco maior. Ou seja, se neste barco principal acontecesse um naufrágio, durante a travessia Salvador-Ilhas, os coletes salva-vidas – se é que havia para todos os passageiros – estariam escondidos. Seria um Deus nos acuda.

•    A operação de transporte dos 180 turistas à praia de Itaparica, pelo barquinho, repete o amadorismo da excursão. Um único barco velho, cheio de madeiras pregadas, algumas com pregos enferrujados, onde cabem 30 pessoas, para transportar 180. Enquanto uma leva de turistas vai, os outros esperam. A operação de descida, acomodação, ida e volta do barco demora mais de 30 minutos. O turista estrangeiro, numa operação dessas, imaginaria estar participando de uma prova de sobrevivência, digna de um filme de aventuras, haja vista a operação perigosa e improvisada. Os brasileiros riem, para não chorar.

•    Não se vê, tanto na saída do porto, quando no trajeto, nenhum barco da Marinha ou de autoridades portuárias fiscalizando. Certamente a falta de fiscalização contribui para as empresas lotarem os barcos e fazerem passeios numa aventura perigosa. Só não se transforma em tragédia se todos os santos da Bahia, junto com Iemanjá, se juntarem para evitá-la. Não precisa ser perito em segurança náutica para constatar o risco iminente de uma tragédia, como tantas que acontecem nos verões brasileiros. É uma operação caça-níquel irresponsável e improvisada.

•    Em resumo, o que sobra de simpatia no povo baiano, em sol e praias espetaculares, falta em segurança, conforto, preços e em compromisso de prestação de um bom serviço ao turista. Para a Copa, não vai dar mais tempo. Mas pelo menos para 2016, Ministério do Turismo, Embratur, secretarias estaduais de turismo e outros órgãos de fiscalização deveriam intervir para as empresas deixarem de brincar com a vida e a paciência dos turistas. Samba, piadas e blá-blá-blá não conseguem esconder os problemas que assombram o turismo brasileiro. De que a Bahia é apenas um exemplo.

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