Livrarias mais famosas do mundo O ano de 2018 vai ficar marcado pela grave crise que atingiu pelo menos duas grandes livrarias do país: Saraiva e Cultura. De certo modo, elas se tornaram ícones da crise que atingiu o setor livreiro, principalmente nos últimos três anos. Ainda sem o hábito de leitura que se encontra em outros países, o brasileiro quando vai cortar despesas aponta direto para a rubrica cultura e entretenimento. Foi o que aconteceu no país, sobretudo a partir de 2015. Em 2016, a comercialização de livros no País recuou 8,9%, comprometendo a rentabilidade de editoras e, principalmente, das livrarias.

Nos últimos 12 anos, segundo a ANL, o mercado editorial despencou 21%, o equivalente a R$ 1,4 bilhão de queda em receita. Diante da sangria, as associações e empresas do setor se uniram para reivindicar um socorro governamental. Junto com a ANL, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) levou ao governo federal um estudo sobre o drama que vive o setor. Em março de 2018, a rede Laselva teve sua falência decretada pela Justiça, com mais de R$ 100 milhões em dívidas. Num enredo semelhante, a francesa Fnac fechou sua última unidade no país, em São Paulo, e saiu do mercado em setembro. 

Um país sem leitores

Dados de 2016 revelam que o brasileiro lê em média 2,43 livros por ano. Essa média está abaixo de países da América do Sul, como Argentina, Uruguai e Chile. Nos EUA, por exemplo, a média de leitura fora da escola era superior a 5 livros por ano. Na França, a média foi de 7 livros lidos; na Inglaterra 4,9 e na Colômbia 2,4. Se formos considerar horas de leitura por semana, também nossa posição não é nada confortável. Enquanto Índia, Tailândia e China registram 10,7; 9,4 e 8,0 horas de leitura por semana, no Brasil esse índice é de 5,4. Entre 30 países pesquisados, o Brasil está em 28º lugar.

O baixo índice de leitura é uma de nossas mazelas históricas e aponta para o empobrecimento dos debates brasileiros e expõe ainda o baixo nível dos cursos Básico e Médio, e até das universidades, principalmente nas escolas públicas. Em muitas universidades e centros de ensino, principalmente particulares, existe uma indústria de cópias xerográficas de livros, prática proibida, e que afeta diretamente a indústria de livros. Se os pais não incutirem nas crianças desde cedo o hábito da leitura, dificilmente isso vai acontecer na escola. Quando ambos, o lar e o ambiente escolar se juntam nesse esforço, certamente muita gente sairá da escola para ser um leitor durante toda a vida.

Outro entrave que impede o crescimento no número de leitores, além do financeiro, é o tempo que o brasileiro perde nos deslocamentos no trânsito ou em repartições públicas, premido pela burocracia. Qual o ânimo que um trabalhador, até mesmo um professor ou profissional liberal tem para ler, após 2, 3, 4 horas no trânsito para chegar em casa, após o trabalho? Trens, ônibus, barcas lotados não permitem sequer que a maioria viaje sentado, quanto mais ler durante o trajeto.

Gigantes despencam

Referência nos grandes shopping-centers do país, as duas gigantes brasileiras do mercado de livros, Saraiva e Cultura, juntas, respondem por 40% das vendas de livros (ficção e não ficção) no Brasil e não aguentaram a crise econômica (as receitas com as vendas de livros caíram 20% entre 2015 e 2017). O resultado foi atraso no pagamento de fornecedores, sobretudo editoras, e o pedido de recuperação judicial, o que significa mais prazo para pagar os credores e saírem do sufoco. O apagão nas duas gigantes do livro colocou um holofote sobre um setor que ainda não tinha aparecido com uma crise grave nos últimos anos no Brasil.

A crise da Saraiva apareceu em 2017, quando a livraria foi levada a fechar pelo menos 13 lojas, completando em 2018 com o fechamento de 20 filiais e a demissão de 700 pessoas. Restaram 85 lojas e 3 mil funcionários. Em novembro de 2018, pediu recuperação judicial, com uma dívida de R$ 675 milhões. É uma das mais antigas livrarias do país, fundada em 1914. A situação das livrarias é tão grave que há quase um ano a Livraria Saraiva fechou a filial de um shopping center, no centro de Brasília. e até hoje o tapume continua na loja, sem que o espaço tenha sido ocupado por outra loja e muito menos por outra livraria. A dívida da Livraria Cultura é de R$ 285 milhões. Ela também pediu recuperação judicial, instrumento que lhe permite ganhar pelo menos seis meses sem pagar os credores e tentar a recuperação. 

O fechamento de uma livraria é sempre um atraso para o país, que tem pouquíssimas livrarias, principalmente no interior. O pior é que a crise dessas duas megalivrarias acaba afetando as editoras, muitas delas, sem receber, podem também ser obrigadas a fechar. Se o comércio eletrônico afetou as livrarias de certa forma (como concorrer com os preços mais baixos da Amazon, por exemplo?), o e-book não pode ser culpado dessa crise. O livro eletrônico chegou há poucos anos e muita gente achava que seria o fim do livro impresso. Ledo engano. Nem nos Estados Unidos, onde a venda dos e-books começaram assustando, ele representa hoje uma severa ameaça aos livros tradicionais. No Brasil também o livro eletrônico ainda não pegou, até porque o preço dele não convida o leitor a trocá-lo por um livro impresso. Há menos de dois anos, o que realmente atingiu a jugular das livrarias foi a chegada da Amazon. Muito difícil competir com os preços da gigante americana.

Mercado para as pequenas

Crise de um lado, oportunidade para outros. Livrarias de pequeno e médio porte, maioria fora dos shopping-centers estão conseguindo superar a crise e crescer. Reduziram o tamanho das lojas, em locais onde a locação é mais barata; atuam em regiões de baixa concorrência ou próximas a universidades. Além disso, fazem um atendimento personalizado, um grande diferencial quando o produto é o livro.

Escritores famosos tinham seus livreiros preferenciais; eles atuavam como parceiros. Era só chegar um livro novo e o editor já avisava os clientes vips. É famosa a parceria que o escritor gaúcho Erico Verissimo tinha com a tradicional Livraria do Globo, na Rua da Praia, em Porto Alegre, loja essa fundada em 1883. A ponto de editar vários livros com a chancela da antiga livraria (Editora Globo), comprada pelo Grupo Globo, em 1986. Isso atraía muitos leitores também. A livraria era ponto de encontro de intelectuais, poetas, políticos e profissionais liberais. Hoje o prédio histórico da famosa Livraria do Globo é uma loja de departamentos.

Uma megastore, como aconteceu com várias lojas da Saraiva e da Cultura, jamais vai fazer esse tipo de atendimento personalizado, até porque são dirigidas por gerentes que mal conhecem as pessoas que frequentam a livraria. Elas acabam se integrando num mix de lojas do shopping que recebem clientes que vão ao shopping e não à livraria, como acontece com outras livrarias de rua tradicionais, principalmente nas capitais.

Livro no Brasil custa caro

Um dos fatores que pode ter influenciado a crise das grandes livrarias, impulsionado pela crise econômica, é o preço dos livros no Brasil, bastante elevado, se cotejado com a renda média da maioria da população. Livro no Brasil não é artigo de primeira necessidade; não existe uma cultura e nem políticas para incentivar a leitura, salvo em alguns estados ou cidades em especial. Por isso, comprar livros no Brasil, para muitas famílias, só se sobrar dinheiro ou em promoções. A maioria da população mal consegue comprar os livros do material escolar dos filhos. Para o ensaísta Davi Lago, “o baixo índice de leitura é uma de nossas mazelas históricas e aponta para o empobrecimento dos debates brasileiros. Por óbvio, o repertório amplo de leituras contribui para o amadurecimento do espírito crítico do cidadão. O que é a realidade senão a leitura que fazemos dela?”

Dia 7 de janeiro se comemorou o “Dia do leitor”.  A 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, conduzida pelo Instituto Pró-Livro, considera “leitor” aquele que leu pelo menos um livro nos últimos três meses – inteiro ou em partes. Mas a maioria da população brasileira nem esse livro consegue ler. A esperança está em uma retomada da economia e na valorização da leitura nos curriculum escolares. Enquanto as grandes livrarias tentarão se recuperar, o que exigirá mudanças profundas no modelo de negócio, as pequenas irão continuar tirando leite de pedra, num país em que a Internet, as redes sociais e o smartphone, como também a pirataria, acabam dominando a maior parte das de tempo do brasileiro.

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