ItaqueraoFrancisco Viana*

As vaias e xingamentos na abertura da Copa molestaram a presidente Dilma Rousseff mais do que poderia imaginar. Embora fora do lugar, por se tratar de uma incivilidade, abriram brechas de grandes proporções no edifício partidário e ameaçam rachá-lo de alto a baixo. Metáfora de tal realidade encontra-se no recente discurso do presidente do PT, Rui Falcão, na sagração da candidatura à reeleição, e na fala do ministro Gilberto Carvalho, Chefe da Secretaria-geral da Presidência da República, interlocutor do PT com os movimentos sócias.

Falcão primou pelo discurso ossificado, isto é, atribui a manifestação, das mais agressivas, à “elite dominante” ou o que outros petistas chamam de “elite branca”. Carvalho, sentindo o pulso da realidade e vendo que o PT se encontra sitiado pela sociedade, foi moderno e viu o real concreto: o PT alimenta “ilusão” de que o “povo pensa que está tudo bem” (Folha de São Paulo, 23.06.14, p. A14). E está certo. A bússola petista tem apontado no sentido da fantasia. Fecha os olhos para a corrupção, a carência  de infraestrutura, à inflação, aos impostos que desafiam a gravidade e à queda em flecha dos índices de popularidade da candidata-presidente.

Sim, a manifestação popular foi um desrespeito, mas o PT não para de falar das vaias e dos xingamentos. As vaias tocaram fundo. Foi como se a sociedade, por uma só voz, entoasse: Acorda, acorda, acorda, no melhor estilo wagneriano. Incivilizada, a manifestação pública de estranhamento com a presidente tiveram o condão civilizado, se é que podemos dizer assim, de revelar que a era da ilusão acabou. O mito do partido salvacionista ruiu com o exercício do poder. Se olharmos para trás, veremos com facilidade que a mitologia petista viveu três grandes ondas ilusionistas, isso para falar apenas do passado recente.

A  primeiro está sintetizada numa propaganda em que  Lula aparece na TV dizendo que o brasileiro sonha em ter uma casinha. Nada mais precário num Pais que sonha em ser grande, onde cresce o número de empreendedores e onde mitologicamente tudo é colossal, tudo aponta para o futuro e o bem estar crescente. O segundo é a negação da existência do chamado “mensalão”, embora integrantes do partido tenham se rendido ao julgamento, o que significava reconhecer a legitimidade da decisão da justiça. Se era soberana, decidiria o que fosse necessário. Condenados, líderes do PT denunciaram o julgamento. O que aconteceria se tivessem sido absolvidos? O terceiro momento vem agora na voz , na campanha eleitora. A propaganda petista fala de números – da agroindústria à indústria – que não correspondem ao cotidiano da sociedade. Pergunta: por que simplesmente não diz, fracassamos! Erramos, fomos arrogantes!

O fracasso se dá graças, sobretudo, à ambiguidade do discurso. Por exemplo, o PT incentiva o consumo de carros, mas não constrói ruas, não reduz impostos, não administra com competência prefeituras como a de São Paulo.  Não avalia a dimensão do endividamento dos brasileiros e suas repercussões. A mesma ambiguidade se refere com relação ao capital: é festejado nas parcerias com o poder público, execrado publicamente como símbolo da mesma elite que teria liderado a vaia contra a presidente no Itaquerão.  E com a imprensa a ambiguidade é horripilante:  estigmatiza a mídia como partido golpista ( onde está o golpe? ), mas na hora de divulgar mensagens positivas procura a chamada grande mídia.

Esta bipolaridade se desdobra na polarização política, numa visão primitiva da luta de classes e do confronto entre pobres e ricos. Ao que tudo indica, a sociedade não busca o confronto, mas a integração. E que o discurso precisa olhar para frente. Não para trás. O tempo de beligerância das revoluções – Inglesa, Americana, Francesa e Russa – passou. Basta ver o exemplo do modelo híbrido e prospero que vem da China.

As vaias demoliram o mito da presidente candidata. Ao se aproximar da opinião pública, ela foi rejeitada. E isso é insuportável para a imagem mítica. A proximidade destrói os mitos. Com a incivilizada manifestação no Itaquerão, desabou o mito – já em frangalhos – da gestora competente, com voz de comando e liderança. Foi uma manifestação dura, generalizada. Lula, sabidamente, se manteve à distância. Mitos não aparecem em público, salvo para serem glorificados. Públicos hostis são como pesquisas, documentação cientifica ou opositores lúcidos. Destroem os mitos.

Atribuir as vaias à elites “dominantes” ou “brancas” é procurar causas externas ao PT como se a realidade fosse uma névoa que se infiltra pelas frestas de portas e janelas. Quando Lula deixou o poder tinha a seu favor a imensa maioria nas pesquisas.  Não contava com o respaldo das chamadas elites? Por que não se perguntar hoje qual elite vaiou e xingou a presidente? Os donos dos meios de produção? As classes médias? Elites de todo o Brasil?

O próprio PT que está no poder há 12 anos, não seria a elite dominante, não manda e desmanda no pais? Existiria no Brasil alguma elite branca, sendo o pais tradicionalmente mestiço?Elite dominante, elite branca: desastres narrativos que não se sustentam no atrito com a realidade. Sob a superfície, espreitam o PT não a oposição dos supostos inimigos de classe, mas a sua realidade interna que pouco a pouco sai dos subterrâneos para a luz das ruas, as montanhas auspiciosas da crítica.  A bússola da ilusão está ganhando contornos da bússola do dia a dia. Ideias obsoletas de velhas visões de mundo cedem lugar à total urgência de visões novas. As eleições de outubro farão germinar novas sementes do futuro.

* Jornalista e mestre em filosofia política ( PUC-SP)

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