Unb-boaA recente crise da Universidade de Brasília é apenas mais um capítulo da novela dos cartões corporativos, que se arrasta desde o ano passado. O recrudescimento dos protestos de alunos e de alguns professores mostra como uma instituição acaba envolvida numa crise, porque os dirigentes deixam de avaliar as conseqüências de determinadas decisões e minimizam atos de gestão, sem se dar conta de que, mais ou cedo ou mais tarde, a sociedade vai cobrar. Esquecem também que junto com o desgaste pessoal, eles arrastam a instituição. Nesse caso, como em tantos outros, falta espírito público.

As revelações sobre gastos com cartões corporativos, no atual Governo, e nas contas tipo B, no governo anterior, são a ponta do iceberg da liberalidade com que os detentores de cargos públicos utilizam recursos do orçamento para pagar contas nem tão “públicas” assim. Mistura-se o interesse privado ou a vaidade pessoal com a disponibilidade de recursos que a “viúva” paga. Quer dizer: nós.

Instituições públicas sempre foram vítimas de administradores incompetentes, espertos ou desonestos. É uma constatação antiga, mas que infelizmente teima em se repetir. Admitamos, no Brasil, que a sociedade e os órgãos fiscalizadores estão agora mais atentos. Por isso, esses fatos estão aparecendo mais. Mas a passagem desses administradores deixa um rastro de destruição que muitas vezes as instituições levam anos para recuperar.

No caso da UnB, a imagem da Universidade já não vinha bem, desde que em 2006 surgiram denúncias de vazamento de gabaritos de provas realizadas pelo CESPE, o braço da instituição que realiza concursos, principalmente públicos. Até hoje episódios desse vazamento não foram bem explicados e ficou um resquício de coisa não resolvida.

A ocupação pelos alunos do prédio da reitoria da UnB é mais um componente num caldeirão de desmandos e erros que apareceram por conta das investigações do Ministério Público. Desta feita nas contas do Reitor e demais membros da Diretoria da UnB. Embora a investigação tivesse começado  no ano passado, as férias dos alunos acabaram desmobilizando-os e evitando uma reação mais forte.

Na retomada das aulas, os alunos aproveitaram para recrudescer o movimento, incluindo outros itens na pauta.  Estabeleceram como condição para desocupar a Reitoria, a saída do Reitor. Isto porque as denúncias contra o titular Timothy Mulholland eram graves. A imprensa na época deu ampla cobertura à compra de lixeiras e material de decoração com os cartões corporativos para decorar o apartamento do Reitor. As explicações foram dadas ao MP, mas não suficientemente assimiladas pela comunidade acadêmica e pelos procuradores. Tanto que ele foi denunciado por improbidade administrativa na última semana.

A diretoria que acaba de renunciar, portanto, foi acusada de administrar mal o dinheiro público. O reitor se esquivava de qualquer culpa, porque, segundo ele, não participava diretamente das transações. Eram feitas por outras pessoas. Como? O reitor não sabia que estavam comprando objetos de luxo e utensílios para seu apartamento?  Ainda que a residência fosse oficial? Será que a ordem de compra não tinha a anuência do reitor?

No que toca à administração de crise, o dirigente publico quando acusado de forma grave, como aconteceu, com provas cabais de que esteve envolvido ou é co-responsável por qualquer ato desabonador, não pode ficar esquentando a cadeira, esperando que o povo esqueça. Se o povo esquece, a mídia em geral não esquece. Qualquer autoridade pública tem todo o direito de se defender, ao se considerar inocente. Mas não à custa de um profundo desgaste para as instituições, como tem acontecido nos últimos anos no Brasil.

Dirigentes públicos se esquecem de que eles passam, as instituições ficam. O problema é que o apego ao cargo acaba causando arranhões irreparáveis à imagem das instituições. Eles ficam “agarrados” ao cargo, como se fosse propriedade deles. Isso aconteceu recentemente com o triste episódio envolvendo o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros. Ele preferiu durante meses deixar o Senado se esvair numa crise sem precedentes, tentando se defender. Os fatos vieram num crescendo e sabia-se que mais dia, menos dia o ex-presidente não teria alternativa a não ser renunciar. Por que, então, essa sangria toda no Senado, prejudicando a agenda política do País? Quer parecer que eles estão sempre preocupados consigo mesmos. Para os acusados, não existe qualquer resquício de espírito público, nem na hora de se demitir.

Isso também ocorreu com ministros alvos de denúncias no atual governo. Em alguns casos, o governo demorou para retirá-los. Em outros foi ágil o suficiente para evitar uma crise.  

No caso da UnB, se o Reitor na ocasião em que foi acusado tivesse tirado licença, para que apurações isentas fossem feitas, independentes até do Ministério Público, o desgaste pessoal e institucional teria sido menor. A Universidade não teria passado pelos lamentáveis acontecimentos dos últimos dias, que sempre causam traumas e desgaste para todos, além de prejuízo a uma entidade que reúne uma comunidade de 30 mil pessoas.

No episódio da invasão, independente das motivações, houve um flagrante atropelo às instituições. Desde a semana passada a Justiça determinou a retomada do prédio da Reitoria. Isso ficou a cargo da Polícia Federal. Mas como está se tornando rotina neste país, nem mais as decisões judiciais são cumpridas. A Polícia Federal, com o respaldo do ministro da justiça, fez corpo mole e evitou o confronto com os estudantes. Deu dois prazos, que não foram cumpridos. A invasão recrudesceu. Naturalmente, pois os estudantes não sentiram firmeza nem disposição na PF para cumprir a decisão.

Perigoso precedente. Decisão judicial é para ser cumprida. Isso tem acontecido também com o MST, em várias invasões de propriedades pelo país. As autoridades afrouxam para não parecer repressoras. Fazem um acerto, protelam decisões e contemporizam com atos que afrontam a lei e a ordem. O passo seguinte é a anarquia.

Em resumo, os episódios da UnB nos deixam várias lições para crises futuras, principalmente em instituições públicas. Não adianta manter autoridades agarradas ao cargo, quando existem evidências de atos irregulares ou acusações graves. O melhor é pedir a apuração, afastar-se e depois, se inocentado, voltar ao cargo com a consciência tranqüila. Na UnB, por falta de uma decisão corajosa, um professor tradicional da Universidade sai “corrido” da Reitoria, vencido pelos estudantes, porque não teve a coragem e a iniciativa de se afastar no momento oportuno. O que a história vai lembrar, por mais que o desgastado Reitor tenha trabalhado e feito pela Universidade em todos os meses anteriores, é que ele entra para a história como alguém que saiu enxotado pelos estudantes. Será que compensa manchar a biografia apenas pelo apego ao cargo?

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