Felipe_LindosoCorreio Braziliense – Suplemento Pensar – 29/10/07

O livro é caro, mal distribuído e pouco acessível. A população, iletrada. Não espanta que o ato de ler atinja uma pequena parcela da população brasileira

Preço alto, deficiências do sistema educacional, concentração do mercado, carência de bibliotecas, má-distribuição de pontos de venda e ausência de políticas culturais são fatores que impedem a popularização do livro e a transformação do Brasil em um país de leitores. Por uma questão de mercado, as editoras realizam uma concorrência predatória, ampliando a gama de títulos em detrimento das tiragens. Com isso, reduzem sua competitividade e lucratividade. Ao longo de três semanas, o Correio ouviu representantes de toda a cadeia produtiva (editores, livreiros e especialistas), que traçaram um diagnóstico da situação. Dois pontos foram apontados unanimemente: o baixo poder aquisitivo da população e o alto custo relativo do livro, como produto. Outros fatores importantes lembrados foram o processo de disseminação das grandes redes e o desaparecimento de pequenas livrarias, que ainda respondem por 70% do total de pontos de venda.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), das 2.600 livrarias brasileiras, 70% são de pequeno e médio portes, com um faturamento mensal entre R$ 35 mil e R$ 45 mil. O ganho bruto desses estabelecimentos gira por volta de 25%, com um lucro de 5%, ou seja, R$ 2 mil. Entre os anos de 1999 e 2006, o número de municípios que possuem livrarias no país caiu 15,5%. Em 2006, elas estavam presentes em apenas 30% dos 5.564 municípios, enquanto que em 1999 este percentual era de 35,5%.
Educação falha
Para o jornalista, pesquisador e escritor Galeno Amorim, a questão educacional é o maior empecilho para a popularização da leitura no Brasil. Ele presidiu o Comitê Executivo do Centro Regional de Fomento ao Livro na América Latina e no Caribe (Cerlalc), órgão vinculado à Unesco, e o Conselho Diretivo do Ano Ibero-americano da Leitura (Vivaleitura) — instituído por uma parceria entre o Cerlalc, a Unesco, a Organização dos Estados Ibero-americanos e o governo brasileiro. Segundo Galeno, as escolas não cumprem seu objetivo. “O maior problema que encaramos é o grande número de analfabetos funcionais. Esse é o grande desafio para o Brasil se transformar num país de leitores. De cada quatro brasileiros que cursam a educação fundamental, três são incapazes de entender o que lêem. Como podem usufruir do livro como produto cultural?” — questiona.

Para Samuel Leon, editor da Iluminuras, esse quadro é uma decorrência do modelo português de colonização: “O hábito da leitura é uma coisa relativamente recente no Brasil. Tem cerca de 100 anos. Ao contrário do processo de colonização espanhol, que priorizava a educação e a participação da população na administração pública, Portugal se preocupava apenas na exploração dos recursos econômicos locais. A Independência, o Império e a República não trouxeram uma alteração significativa nesse quadro. Até a década de 60, houve pouca preocupação política em divulgar o hábito de ler entre a população e, de lá para cá, poucas ações governamentais nesse sentido deram certo. Isso não significa a ausência de avanços. O ensino universitário é muito mais acessível, mas não podemos dizer que a venda de livros, proporcionalmente, tenha crescido na mesma velocidade.”

Luís Schwarcz, da Companhia das Letras, uma das maiores editoras brasileiras, é mais otimista: “Acho que o Brasil está se transformando em um país de leitores. O grande problema está na não-inclusão social”, ressaltou. “Uma faixa consistente da população está excluída do processo educacional e não podem se transformar em leitores, mas está aumentando o acesso à cultura e à educação. Um número maior de pessoas consegue chegar ao topo da formação escolar, a universidade, e com isso a situação tende a melhorar.”

Galeno aponta outra peculiaridade do modelo brasileiro: “Até recentemente, a educação sempre esteve voltada para a formação de dirigentes, e não de pensadores”, destaca. “Em 500 anos nunca houve uma grande preocupação de se construir um país de letrados. Durante muito tempo, a elite impediu a disseminação da cultura entre o povo, impedindo que fosse senhor das próprias decisões e o surgimento de leitores em potencial”. A decorrência foi um extensivo dano histórico. “Os dirigentes tinham um papel essencial na construção do pais, mas nunca perceberam que a leitura vai muito além do diletantismo.”

Nos últimos anos, segundo o pesquisador, houve uma alteração nesse quadro: “É cada vez maior, entre empresários e autoridades, a percepção do papel estratégico da leitura. Ela deixou de ser vista como prazer e surgiu a percepção de que poderia servir de instrumento para mudar o tempo da sociedade, colaborando para o desenvolvimento econômico e social.”
Produto caro
Mas Galeno reconhece que, apesar dos avanços institucionais, o preço ainda afasta a população do hábito da leitura: “O Brasil foi um dos países que mais fez durante as atividade do Ano Ibero-americano da Leitura, em 2005. Na época, havia uma onda de falências entre as editoras e empresas distribuidoras. Grandes editoras internacionais incorporavam empresas nacionais, no que poderia se transformar num perigoso processo de concentração. Conseguimos reverter parcialmente esse quadro, desonerando o livro de impostos e ampliando as facilidades de financiamento. Hoje, boa parte dos investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social serve para cobrir a importação e compra de papel”, lembrou.

Mesmo assim, Sergio Herz, diretor financeiro da Livraria Cultura, uma das grandes redes brasileiras, aponta o preço como um dos principais vilões que impedem a popularização da leitura. “Temos um programa que oferece livros a preço de custo para nossos funcionários. Conseguimos disseminar o hábito de ler mesmo entre os que recebem menos, como copeiras e faxineiros. É comum comprarem dois livros por mês”, contou. Samuel Leon lembrou que quando chegou ao Brasil, o salário mínimo comprava 80 livros. “Hoje, com o preço médio de R$ 36, limita-se a apenas 10. É por isso que quando temos uma feira ou qualquer outro tipo de promoção os livros saem pelo ladrão. Existe uma demanda reprimida que só será resolvida com o aumento da renda familiar.”
Alto custo
Victor Alegria, da editora Thesaurus, sediada em Brasília, levanta mais um agravante: o alto custo do frete. “Vivemos num país que impõe imensas dificuldades para o transporte do livro, com péssimas estradas. A estrutura das distribuidoras também é precária. Ajudaria muito a criação de uma política postal de incentivo. O custo do Sedex encarece demais o uso dos Correios. Até meio quilo, existe um preço fixo de R$ 12. O que passa disso não é cobrado proporcionalmente. O ideal seria uma tarifa especial. Nós pagamos mais caro para enviar um livro do que é pago, proporcionalmente, por uma carta.”

Herz, mais uma vez, culpa o baixo poder aquisitivo da população: “O preço do livro é compatível com o praticado nos Estados Unidos e na Europa. O mesmo pode ser dito do custo do frete pelos correios, que representa 20% do valor da obra. Mas isso não chega a afetar gravemente nossa operação. Boa parte de nossas vendas é feita pela internet. O cliente, nesse caso, precisa do produto e não se importa em pagar mais para recebê-lo em tempo hábil.”

Galeno ressaltou uma explosão de editoras no início da década, que resultou numa concorrência predatória. “Para sobreviver num mercado cada vez mais competitivo, as editoras começaram a lançar títulos continuamente e a reduzir tiragens. O auge desse processo ocorreu há uns dois anos. De lá para cá, elas estão retirando títulos de catálogo, mas o ritmo é mais lento que o desejado”, analisou. Leon acrescenta alguns dados: “Um número excessivo de lançamentos compromete as operações pelo aumento de custo e a queda na rentabilidade. Isso é o mesmo que dar um tiro no próprio pé. As editoras, de uma maneira geral, sofrem de uma falta crônica de capital de giro causada pela cirandona de títulos. Mas é preciso ressaltar que, em 25 anos, o número de editoras quintuplicou e chegou a 2.500. Enquanto isso, o de livrarias se reduziu a apenas 1.500. Ficou mais difícil para as populações das cidades menores adquirirem livros.”

Do alto de tiragens confortáveis, Schwarcz explica o sucesso da Companhia das Letras. “Não há segredo. Nós apostamos em livros de longa duração, como os do Milton Hatoum, que ficam para sempre em catálogo. Saímos com tiragens de 10 mil a 15 mil exemplares, um bom número inicial em qualquer país do mundo. São números expressivos, inclusive em países de grande leitura, como a França. Outros, de menor apelo, saem com tiragens menores, de 3 mil exemplares”.

A editora se prepara para relançar a obra de Jorge Amado, dono de importantes tiragens do passado. “O Jorge Amado é o tipo do autor que combina com nossa linha. São escritores de catálogo, que não possuem vida curta”. Schwarcz também aposta em autores importantes, mas que não garantem grandes vendas. “Editamos obras de David Grossman e Georges Perec que não receberam reedições, mas que nos dão muito orgulho”, garante. Cada lançamento, recebe um tratamento diferenciado, às vezes com agressivo uso de marketing. “Estudamos o potencial do livro e aí decidimos qual será a estratégia que iremos adotar, a grande maioria depende apenas do marketing natural das resenhas”, garante.
Menos disponibilidade
“O mercado editorial brasileiro passa por um momento de descapitalização e desnacionalização”, reclamou Victor Alegria. “O Brasil vive um momento semelhante ao que ocorreu na Argentina, que, hoje, não tem nenhuma editora nacional. Todas foram compradas por empresas estrangeiras, principalmente da Espanha. As grandes redes estão tomando o espaço das pequenas livrarias, que pressionam fortemente os editores. É comum exigirem descontos de até 50%. Uma das soluções seria a adoção de um preço único para cada livro, válido em todo o território nacional, como praticado em vários países da Europa. Isso ajudou a recuperar o mercado mexicano, dando um sopro de vida nas pequenas livrarias.” Para Herz, trata-se de um processo de mercado. “Sou suspeito para falar, mas são negociações duras em que cada lado procura arrancar o máximo que pode. As grandes redes não são as únicas culpadas pela redução do número de livrarias. Nossos custos operacionais são muito maiores. Já imaginou quanto custa o IPTU da loja que temos na Avenida Paulista? O problema dos pequenos livreiros está numa certa acomodação e falta de competitividade. Boa parte do que oferecem está em consignação, a custo zero. Como não tem comissão, o vendedor não se preocupa em oferecê-la ao cliente.”

Nessa relação, Schwarcz mostra o poder de fogo da Companhia das Letras: “Temos a sorte de não ser uma pequena editora e colocamos nossos livros normalmente. Nossa relação com as grandes redes é boa. Algumas tem perfil mais próximo do nosso. Outras, especializam-se em best sellers, mas de qualquer maneira temos uma participação importante. Estamos entre os dois ou três maiores fornecedores. ”

Luiza Neiva, proprietária do Café com Letras, de Brasília, mostra o outro lado da moeda: “As editoras se recusam a vender pequenas quantidades e pagamos bem mais caro que as grandes redes. Ficamos nas mãos dos distribuidores e não podemos oferecer descontos. Está cada vez mais difícil manter a livraria, que só sobrevive graças a empréstimos contraídos com juros. Só agüento graças a minha pensão do INSS e ao plano de demissão voluntária do Banco do Brasil, que me garantirá recursos por mais dois anos. Depois disso, não sei como será.”

O diretor financeiro da Cultura afirmou que a queda do número de pequenas livrarias foi compensada, parcialmente, pelo surgimento de outros pontos de venda, como supermercados e bancas de revista. “Para popularizar a leitura, a presença de boas bibliotecas é muito mais importante. Quando existem, além de acervos falhos, não abrem nos fins-de-semana e feriados, quando seriam mais úteis à população.”

Entre 2004 e 2006, Galeno Amorim dirigiu o Projeto Fome de Livro, um programa que, nos últimos três anos, contribuiu para reduzir o déficit de brasileiro de bibliotecas. “Quando assumi, a verba prevista era de apenas R$ 3 milhões. Saltou para R$ 27 milhões, o suficiente para instalar 700 unidades. O programa teve continuidade e, hoje, faltam apenas 350 municípios, que o governo pretende zerar em dois anos. É claro que não são perfeitas. Em algumas falta computador, o acervo é incompleto, não há jornais diários, mas é um início.” Para ele, a iniciativa mais necessária é a criação de um mecanismo que defenda a popularização da leitura. “As atividades não são coordenadas desde que o governo Collor extinguiu o Instituto Nacional do Livro, criado por Getúlio Vargas. Sem uma política permanente, que coordene ações paralelas entre os ministérios da Cultura e da Educação, o Brasil não se transformará num país de leitores”, lamenta.

Entrevista - Felipe Lindoso (foto)
A MEDIDA CERTA
Pedro Paulo Rezende - Da equipe do Correio

Felipe Lindoso escreveu, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores?, uma obra que analisava a questão do livro sob os pontos de vista histórico e institucional. Em seu trabalho, ele avaliava as diversas políticas governamentais adotadas é considerada básica para se entender o fenômeno do baixo índice de leitura da população brasileira. Antropólogo especializado em economia e cultura, ex-diretor de relações institucionais da Câmara Brasileira do Livro (CBL) — onde permaneceu entre 1993 e 2003 — e fundador da Summus Editorial, Felipe conhece bem o mercado editorial brasileiro. Em entrevista exclusiva ao Correio, o autor fala da produção nacional e dos problemas que emperram a leitura no Brasil.
O que mudou de 2004, quando o senhor escreveu O Brasil pode ser um país de leitores?, para cá?
Houve uma melhora significativa. Em primeiro lugar, diminuiu significativamente o número de cidades sem biblioteca, hoje em dia esse total é inferior a 10%, mas o mais importante é que mudou a percepção do problema. O Mais Cultura, programa lançado pelo presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, tem esse aspecto positivo. Prioriza a questão do livro e da leitura. Ainda não é uma política de Estado, que pressupõe um contínuo acompanhamento e aperfeiçoamento dos programas, mas tem o mérito de ter como meta zerar o número de municípios sem biblioteca. Em 2004, era uma parcela significativa: 20% dos centros urbanos não tinham nenhuma biblioteca. É claro que continuam precárias, com, acervos defasados, mas houve um avanço. Outro ponto positivo do programa está na percepção da relação livro-leitura como ponto de partida do desenvolvimento econômico e social do pais. É um bom ponto de partida, mas tem muita estrada pela frente.
Por que o Brasil não é um país de leitores?
Basicamente porque o brasileiro não tem acesso ao livro. Os livros são caros diante do nível de renda da população, e não existe um sistema de bibliotecas públicas que seja minimamente eficiente. Essa questão do acesso remete inclusive ao problema do nível de educação: as escolas também não possuem bibliotecas — só muito recentemente é que se iniciou um programa de bibliotecas escolares no MEC. Então se produz também o paradoxo de que depois de sair da escola uma parte dos alunos — mal alfabetizados e mal escolarizados — reverte à situação de analfabetos funcionais. O problema, portanto, vai desde o nível de renda até a falta de uma política pública eficiente de promover um eficiente serviço público de bibliotecas, passando pela qualidade das escolas.
Qual a explicação para a drástica redução da tiragem dos livros? No passado, livros de autores como Fernando Sabino saiam com 10, 20 mil exemplares e vendiam 300 mil exemplares de um único título. Hoje, os livros saem com tiragens pequenas, de 3, 4 ou no máximo 5 mil exemplares.
Não há essa redução assim tão drástica. Sempre houve títulos que tiveram grandes tiragens e outros com tiragens reduzidas, mesmo nos mercados gigantes, como nos EUA, onde um hardcover (capa dura) tem tiragens médias de 3 mil exemplares. Mas nos EUA, para continuarmos nesse exemplo, a maior parte dessa tiragem média vai para bibliotecas (são quase 250 mil bibliotecas naquele país, entre escolares e públicas). As tiragens maiores são feitas em livros de bolso, dependendo do sucesso em capa dura. De certa forma o mesmo acontece aqui, com autores com grandes tiragens e a maioria com tiragens pequenas. Na verdade, como diz Gabriel Zaid, autor de Livros demais, que eu traduzi, o problema é o livro encontrar seu público específico. Dou um exemplo. Se fosse publicado um livro sobre “formigas transgênicas” esse livro seria importantíssimo, digamos, para quinhentas pessoas. E só para essas pessoas. Portanto não teria sentido fazer tiragem maior. Já um livro que interessa — seja lá por quais razões, inclusive mercadológicas — a um público mais amplo, esse terá tiragens maiores. O Zaid diz que cada título tem um “público ideal”, e que o problema é alcançar esse público.

A diferença nossa com os EUA — além do fato de que a maioria da população pode retirar os livros nas bibliotecas, e o faz — são estruturas mercadológicas deficientes que dificultam o crescimento desse enorme mercado de livros baratos, de bolso. Esse mercado começa a se desenvolver aqui no Brasil.
Como mensurar o impacto das grandes redes de livraria no mercado de livros? Esse formato concentrado nos grandes centros, tirando lugar das pequenas livrarias que ficavam espalhadas pela cidade, exerce influência na formação dos leitores?
O asfixiamento das pequenas livrarias no Brasil se deve a dois fatores. Em primeiro lugar, à centralização das compras governamentais. O MEC tem o maior programa do mundo de compras de livros escolares, que são feitas diretamente nas editoras. O grande problema desse programa — que é importantíssimo por várias razões — é o fato de ter excluído as livrarias desse circuito. Haveria de pensar em formas de voltar a incluir as livrarias nesse processo, com sistemas de vales-livros, ou semelhantes. Em segundo lugar as pequenas livrarias sofrem — e muito — de falta de capital, são deficientes também em capacitação gerencial e mercadológica.

Mas a centralização é fatal, inclusive no seu reflexo na formação do hábito de leitura. Os estudantes recebem os livros nas escolas, das mãos da administração. Imagine se recebessem um cheque-livro e fossem até a livraria da cidade! Em primeiro lugar, se criaria um mercado para justificar a existência dessas livrarias. Em segundo lugar, os estudantes imediatamente tomariam contato com o universo amplo dos livros publicados, e não apenas com aqueles que lhes são automaticamente entregues. Isso contribuiria para a formação do hábito de leitura. E o mesmo acontece com as poucas bibliotecas: compram diretamente das editoras (ou recebem os pacotes diretamente do governo) e não estabelecem uma relação com as livrarias locais.

O papel dos investimentos do Estado deve levar em consideração também a formação desses circuitos comerciais mais amplos das livrarias independentes como um fator de desenvolvimento e também pela sua importância na formação do hábito de leitura. As grandes redes, por sua vez, respondem diretamente aos impulsos da fatia da população que tem recursos para aquisição de livros. E, como empresas altamente estruturadas, privilegiam o giro rápido. Ou seja, preferem ter os best-sellers nas prateleiras, deixando de lado a manutenção de um catálogo mais amplo.
Em que medida o nível de escolaridade do brasileiro influencia a qualidade e quantidade de livros publicados?
Aqui temos um paradoxo. O Brasil publica algo entre 12 e 15 mil títulos novos a cada ano. São mais de mil por mês e mais de três por dia. E são títulos de todos os tipos, até porque como o livro reflete as necessidades do conjunto da sociedade, há espaço —e necessidade — de todo tipo de livros.

Do ponto de vista da gestão de políticas públicas, a “qualidade” do livro é irrelevante. Quem compra um livro — ou o retira de uma biblioteca — está à procura da satisfação de uma necessidade estritamente pessoal — ainda que socialmente induzida. Assim, se a pessoa vai procurar um livro de eletricidade básica, às vezes é porque quer instalar a luz no barraco que construiu, e por isso esse livro é importante para ele. Da mesma maneira quem compra os chamados livros de auto-ajuda está à procura de responder a uma necessidade espiritual própria, que é diferente daquela que sente um intelectual que compra alta filosofia. Isso precisa ser respeitado, inclusive na formação dos acervos nas bibliotecas.

Mas, por outro lado, a educação de qualidade permite, em tese, que se amplie a gama de escolhas disponíveis para cada indivíduo.

Mas também é preciso combater a ilusão de que os “livros bons, de qualidade”, fazem as pessoas melhores. As opções políticas, filosóficas e existenciais das pessoas são influenciadas por muito mais coisas. Eu sempre lembro que Hitler e Stalin eram grandes leitores, e leitores dos clássicos da literatura. Isso não os impediu de ser e fazer o que fizeram. O personagem do Gabriel Garcia Márquez em O Outono do Patriarca é um déspota que conhecia toda a literatura clássica — e justificava seu despotismo citando-os. A melhor escolarização dos brasileiros — coisa fundamental — abrirá ainda mais esse leque de opções, e isso é que é o importante.
Há números que mostram um crescimento do número de editoras no mercado. Até que ponto essa explosão é benéfica (ou maléfica) para a geração de novos leitores?
Existe realmente um grande índice de “natalidade” de editoras. Mas também um enorme índice de “mortalidade”, de editoras que nascem e morrem em um ou dois anos de vida. De qualquer forma, essa proliferação de editoras — ainda que muitas tenham uma vida curta — é importante. Porque as editoras novas, “programáticas”, são muitas vezes as que publicam os títulos mais inovadores, de jovens autores, que as editoras maiores têm receio de publicar. Essa fermentação é importantíssima para garantir a diversidade da oferta editorial.
Até que ponto medidas como as anunciadas pelo presidente Lula em relação às bibliotecas são efetivas para gerar novos leitores?
Vão beneficiar o mercado livreiro. Mas é certo que o empenho em eliminar o número de municípios sem nenhuma biblioteca é importantíssimo. Da mesma maneira, é importante a implementação das bibliotecas escolares. Até três anos atrás ainda tínhamos quase 20% dos municípios brasileiros sem nenhuma biblioteca. Isso é uma vergonha, e esse índice melhorou muito nos últimos três anos e será um marco eliminar essa mancha até 2010. Mas não basta. Da mesma maneira como o Brasil luta para transformar a universalização da educação — que já é uma realidade com 97,5% da população em idade escolar nas escolas — em uma universalização de qualidade, não apenas quantitativa, é preciso também que essas bibliotecas sejam o objeto e o resultado de uma política orgânica.

O que é isso? Eu sempre cito o exemplo do SUS, que funciona como um sistema de responsabilidades compartidas e reciprocidades. O governo federal repassa as verbas de saúde desde que os estados e municípios cumpram com requisitos determinados e também apliquem uma proporção de recursos. O mesmo acontece com as verbas da educação fundamental: os estados e municípios têm que cumprir obrigações e prestar contas para continuar recebendo os repasses.

Na cultura deveria também ser assim. Ter instituído um sistema de responsabilidades compartilhadas entre os diferentes níveis federativos: União, estados e municípios. Além de ter as bibliotecas, é preciso integrá-las para que compartilhem acervos, experiências, casos de sucesso. E evitem as dificuldades e fracassos. Mas a vida é assim. Depois de termos bibliotecas em todos os municípios, queremos que elas sejam cada vez melhores e cumpram da melhor maneira seu papel de serviço público fundamental também para a educação e para o desenvolvimento social e da democracia em nosso país. É isso que eu gostaria de ver aplicado nesse nosso Brasil.

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