Tragedia RGS 1Setembro chega ao fim com o Furacão Helene atingindo a Flórida, nos EUA, com ventos de 224 km/h e cinco mortes. A tempestade deixou mais de 1 milhão de residências e empresas sem energia na Flórida e mais de 50 mil na Geórgia. Com chuvas intensas há quase uma semana no Rio Grande do Sul, depois da maior tragédia climática do estado, com 182 mortos e 2,4 milhões de pessoas afetadas em 478 municípios. E com o fim do inverno e início da primavera, o Brasil registrou o maior número de queimadas nas regiões Norte, Sudeste e Centro Oeste. Não é diferente em Portugal, na Grécia e em vários países da Europa Central e do Leste Europeu, que enfrentaram as piores enchentes em 30 anos, em setembro. O que está acontecendo com o clima no mundo?

Relatório de crises do Institute for Crisis Management (ICM), dos EUA, relativo ao ano de 2023, que foi divulgado com atraso este ano, destaca “catástrofes naturais” como causa da maioria das crises. A pesquisa registrou cerca de dois milhões de eventos caracterizados como “crises” no ano passado, Essa categoria “catástrofes” inclui, além dos desastres naturais, reflexos da pandemia do Covid-19. Ela representou 26,10% de todas as crises do ano. Seis pontos acima do registrado em 2022. E pelo que está acontecendo até setembro, este ano deverá registrar também um aumento no número de desastres pelo mundo.

O Relatório, com base nos dados do Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) destaca que aconteceram cerca de 400 catástrofes naturais no mundo, em 2023, causando a morte de 86.473 pessoas e impactando uma população global de 93 milhões de pessoas. A Ásia, com 163 casos, foi o Continente com maior número desses acidentes. As perdas econômicas com os desastres foram estimadas em US$ 250 bilhões, bem acima dos valores apurados nos últimos 20 anos, à exceção do ano de 2011, quando as perdas do Japão com o tríplice desastre de terremoto, tsunami e explosão do reator da Usina de Fukushima elevou os gastos a US$ 500 bilhões.

Há um setor que quase sempre registra crises graves, mas teve o ano de 2023 relativamente calmo: a aviação. De acordo com dados do FlightGlobal, houve seis acidentes fatais, com 115 mortes. Nenhuma tragédia com aviões de passageiros de grandes companhias. A segunda categoria com mais crises no ano foi a de “ações coletivas”. Representaram 11,37% das crises no ano de 2023. O Relatório registra 83 ações no ano, envolvendo empresas. Entre elas, 34% fizeram acordos por mais de US$ 25 milhões. São ações coletivas contra empresas, envolvendo entre outros casos, discriminação no local de trabalho.

Cibercrime aumentou

Ciberataque Ira podera retalias 2019As crises dessa categoria mais que dobraram no ano passado. Em 2022, representavam 3,21% do total de crises ocorridas no ano. Em 2023, representaram 7,24% de todos o casos levantados. Foram 3.122 invasão de sistemas, afetando 350 milhões de vítimas. As áreas de saúde, financeira e de negócios continuaram liderando esse tipo de crime. De acordo com a análise de entidades que apuram os ataques, as perdas relacionadas a reclamações de crimes cibernéticos foram de US$ 12,5 bilhões em 2023, um aumento de US$ 2 bilhões (22%) em relação ao ano anterior e mais que o triplo do valor registrado em 2019.

Na categoria “discriminação”, as crises também cresceram, foram 7,19 do total. Esse grupo vai desde a discriminação por idade, raça, opção sexual, como acontece em vários países, até as restrições e tratamento discriminatório de minorias que precisam fugir de certos países para não serem perseguidas.

Outro segmento que cresceu no ano passado foram as questões trabalhistas, principalmente greves em vários setores, por diversos países. Somente nos EUA, aconteceram 345 paralisações no trabalho em 2023. Uma das greves mais longas ocorreu com roteiristas de cinema nos estúdios de Hollywood, que durou 82 dias. Em outros países, houve greves longas no setor de transportes, como nas Filipinas, por vários meses. Greve de professores em vários países também marcaram o ano.

Um dos itens onde ocorrem crises recorrentes é a categoria “má gestão”. Poderíamos dizer que grande parte das crises corporativas ocorrem por má administração ou por erros de gestão. Representaram 8,53% das crises de 2023. Em vários casos, os erros levaram à liquidação da empresa. Outra categoria que registrou aumentos nos anteriores, mas caiu em 2023, foi o assédio sexual - 3,09% do total. Foi a metade do percentual de 2022. Certamente, esse tipo de crise foi reduzido pelo movimento Me Too*, que sensibilizou empresas e diretorias a monitorar, denunciar e punir esse tipo de crime. O Brasil há menos de um mês teve um episódio de crise no ministério dos Direitos Humanos, quando foi vazada notícia de que o ministro titular da pasta, Silvo Almeida, estaria sendo acusado de assédio por várias mulheres. O que acabou culminando na demissão do ministro.

Crime de Colarinho branco

incendios a crise dos incendios 2018Outra categoria que cresceu em 2023 foi a dos crimes de colarinho branco. 10,9% das crises pesquisadas se referiam a esses crimes. As histórias de má gestão diminuíram no ano passado, e parte do motivo pode ser devido a um aumento exponencial nesta categoria, para 10,8% das histórias rastreadas, em comparação com 1,8% no ano anterior. Os crimes de colarinho branco geralmente incluem coisas como fraude, lavagem de dinheiro e corrupção pública. Para ficar só nos EUA, entre alguns dos casos mais memoráveis ​​em 2023, em um enorme esquema de fraude de saúde, o Departamento de Justiça dos EUA anunciou uma ação de execução nacional, incluindo acusações contra 78 pessoas e mais de US$ 2,5 bilhões em suposta fraude. As alegações incluíam pessoas enfrentando acusações estaduais e federais em 16 estados.

Em uma das maiores histórias de colarinho branco em 2023, o fundador da FTX, Sam Bankman Fried, foi acusado de fraude eletrônica, fraude de valores mobiliários e lavagem de dinheiro, enganando investidores em mais de US$ 26 milhões. E em uma saga familiar que incluía fraude e assassinato, o advogado da Carolina do Sul Alex Murdaugh, já preso pelo assassinato de sua esposa e filho, declarou-se culpado de 22 acusações de roubo de clientes de danos pessoais. As acusações incluíam lavagem de dinheiro, falsificação, conspiração criminosa, fraude eletrônica e evasão fiscal.

Finalmente, na última categoria “violência no trabalho”, algo um tanto pouco pesquisado e denunciado no Brasil, teve um aumento significativo, principalmente nos EUA, representando 9,39% das histórias rastreadas. Muitos dos casos relatados surgiram de violência entre trabalhadores. Em Nova Jersey, um ex-funcionário da PSE&G matou um colega de trabalho no estacionamento, depois atirando em si mesmo. Em uma loja Family Dollar em St. Louis, uma mulher atirou no rosto de um colega de trabalho após uma discussão. Em Half Moon Bay, Califórnia, um funcionário de uma fazenda de cogumelos atirou em quatro colegas de trabalho e outros três ex-colegas de trabalho em uma fazenda próxima.

Na Louisiana, um homem demitido recentemente voltou ao local de trabalho e assassinou dois ex-colegas de trabalho. Tiroteios semelhantes entre trabalhadores ocorreram em mais de 15 cidades americanas. Ou seja, os atentados de no local de trabalho, principalmente, replicam a saga americana de tiroteios em massa que ocorrem quase todos os dias. É o preço que os EUA pagam por insistirem na liberdade de o cidadão adquirir a arma que quiser, incluindo menores. Decisão sempre comemorada pela Associação Nacional do Rifle (NRA), que comanda o lobby no Congresso e na sociedade para evitar qualquer legislação que interfira na liberdade do cidadão americano poder comprar, registrar e levar a arma para casa. A quantidade de atentados transformam os EUA num País onde as pessoas, principalmente as crianças nas escolas, andam com medo, porque não sabem quando e onde o terror e os paranoicos irão agir.

Em 2023, houve mais de 600 tiroteios em massa nos EUA, uma média de cerca de dois por dia. Quando se trata de tiroteios em massa, é notável que, dos 36 países estudados pelo Rockefeller Institute of Government, os EUA representam 33% da população e 76% dos incidentes públicos de tiroteios em massa.

Brasil em crise

O Brasil foi surpreendido em março de 2023 por dois ataques covardes em escolas para crianças, em São Paulo. O primeiro, na Escola Estadual Thomazia Montoro, em 27 de março, que resultou na morte de uma professora, além de três alunos feridos. O autor seria um aluno com passado de problemas em outra escola, e que no dia anterior teria se desentendido com colegas. O segundo ataque teve como protagonista um paranoico, de 25 anos, também com diversas passagens pela polícia. Ele pulou o muro de uma creche, em Blumenau-SC. E ainda usou um meio cruel, com uma machadinha, para atacar as crianças, assassinando quatro delas, entre 5 e 7 anos, e ferindo outras três. Os dois atentados causaram uma comoção nacional, pela forma gratuita e absurda; e colocou pais, professores e autoridades em estado de alerta, por se sentirem inseguros, ameaçados e vulneráveis. O Brasil espera uma condenação exemplar para esses “lobos solitários” que surgem no caminho dos estudantes, principalmente crianças.

Diante deste cenário tão preocupante e comovente, a Cosafe se reuniu com alguns especialistas dos setores privado e público, para criar e divulgar um Guia Especializado em Respostas a Emergências em Escolas*, com foco principalmente em situações de ameaça à vida. A publicação tem como objetivo contribuir para o amadurecimento do tema e dar um norte aos dirigentes escolares, educadores, pais e responsáveis e profissionais da área de segurança e proteção, para que estes promovam as mudanças mais do que necessárias neste campo, contribuindo para a implantação e consolidação de práticas que protegem e salvam vidas.

O ataque aos três Poderes

Provavelmente, a maior crise enfrentada pelo País no ano passado: a invasão e tentativa de golpe ocorrida nos prédios dos três poderes da República: Palácio do Planalto; Supremo Tribunal Federa e prédio do Congresso Nacional. Mais de mil pessoas estão sendo processadas por terem participado, financiado e divulgado o atentado aos poderes constituíos no pais. Quem tenta minimizar o acontecimento, assegurando que foi um protesto legítimo, que não mereceria essa verdadeira caçada aos manifestantes, ignora que a invasão do Palácio do Planalto, prédios do STF e Congresso Nacional tinha um propósito: tumultuar a posse do presidente Lula, levando o país a um clima de violência que permitisse um golpe de estado. Isso parece incontestável.

As cenas de barbárie a que o Brasil assistiu em 8 de janeiro de 2023 ficarão na história como dos episódios mais tristes e vergonhosos da crônica política do País. Não há registro, ao que se sabe, tanto no Império, quanto na Velha República de invasão ou depredação às sedes do Executivo, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional na forma como aconteceu naquele dia, em Brasília. Nem nos vários golpes militares ocorridos na história do País e nem após 1930, até nossos dias, apesar de todas as crises políticas que marcaram a história do País nesse período, por mais graves que fossem.

A incompetência, leniência e, por que não dizer, conivência das autoridades policiais de Brasília, associadas ao despreparo do Batalhão da Guarda e das forças de segurança que estão incumbidas de proteger o Palácio do Planalto, o STF e o Congresso, facilitaram a ação dos terroristas. Travestidos de patriotas e fantasiados de brasileiros, eles invadiram e depredaram prédios, o patrimônio público e o acervo cultural, com requintes de ódio e métodos selvagens. Só faltou colocarem fogo nos prédios e móveis. E não foi por falta de ameaças e pistas que os órgãos de segurança do DF falharam. O que ocorreu em Brasília em 8 de janeiro não foi um Cisne Negro*, na acepção do filósofo Nassim Taleb: evento raro e de magnitude, com grande impacto na sociedade, porém impossível de ser previsto. Absolutamente, não foi.

O perigo roda na estrada

Os potentes caminhões americanos se transformaram em armas mortais nas estradas daquele país. Esse tema foi objeto de um impactante documentário da Frontline, produzido para a Public Broadcasting Service (PBS), canal público de televisão americano. O documentário foi lançado em junho de 2023 e merece ser assistido, principalmente por quem lida com transporte, regulamentação e segurança nas estradas. 

America’s Dangerous Trucks aborda a quantidade de mortes nas estradas americanas causadas pela falta de para-choques laterais naqueles enormes caminhões com 18 rodas, em média, mas que nos caminhões-reboque podem chegar a 36 rodas. E ainda pela fragilidade dos para-choques traseiros, que não suportam o impacto de uma batida de um automóvel ou qualquer veículo pequeno, causando milhares de mortes nas estradas, ao possibilitar, principalmente carros de menor porte, se chocarem, geralmente com violência, embaixo das carrocerias.

E no Brasil? O número de caminhões no Brasil representa atualmente em torno de 5% da frota nacional. No entanto, até meados de 2023, levantamento nas rodovias federais mostra que quase metade (46%) das mortes registradas em acidentes envolvem caminhões ou carretas. De acordo com o levantamento da Polícia Rodoviária Federal, cerca de um de cada quatro acidentes em 2023 nas estradas federais foram com esses veículos de carga pesada. Foram 1.211 vítimas com ferimentos graves nesses acidentes. 631 pessoas morreram, número maior do que no mesmo período do ano passado, quando foram registradas 624 mortes. E pior.

Essa é uma estatística que se repete ano a ano. Em todo o ano passado, no Brasil, mais de 17 mil acidentes envolveram caminhões, resultando em 2.611 mortes, ou seja, uma morte por cada 7 acidentes. Em comparação, em 2018, havia uma morte por cada 12 acidentes, e em 2022, a proporção permaneceu a mesma, apesar de o número de acidentes ter diminuído. Conforme dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), ocorreramo 17.579 sinistros com caminhões no ano passado. Se incluirmos os ônibus nessa estatística macabra, certamente o Brasil salta na frente entre todos os países do mundo. Ocupamos o 3º lugar no ranking de países com mais mrtes em decorrência de acidentes de trânsito, abaixo somente da China e da Índia, segundo o relatório Status Report on Road Safety, da Organização Mundial de Saúde (OMS).

* O movimento Me Too (ou movimento #MeToo), com uma grande variedade de nomes alternativos locais e internacionais, é um movimento contra o assédio sexual e a agressão sexual.

** Os autores do Guia foram: Ana Flavia Bello (CEO da Cosafe LATAM); Heloísa Misae (Especialista em emergências, crises e continuidade de negócios); Otávio Novo (Consultor em gestão de riscos e crises); Nelson Ribeiro (Coordenador de Proteção da Defesa Civil de Curitiba-PR) e William Silva (Diretor de gestão de riscos e desastres da Defesa Civil de Nova Lima-MG).

 

 

 

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