Lula em canmpanhaFrancisco Viana*

João Santana, um dos marqueteiros mais conhecidos do país, deu uma pista preciosa para compreensão das engrenagens invisíveis do marketing político ao dizer que em “98% das campanhas” eleitorais no país existe caixa 2. Santana argumentou: “Você vive num ambiente de competição. Ou faz a campanha dessa forma ou não faz. Vem outro que vai fazer.” Santana disse ainda que se fosse tratar a questão (do caixa 2) com rigor, se formaria uma fila “ininterruptamente que iria bater em Brasília e Manaus”... “Seria uma muralha humana capaz de concorrer com a Muralha da China. Capaz de ser fotografada por qualquer satélite que orbita em torno da Terra”.

Santana fala com conhecimento de causa, conhece como poucos os bastidores das campanhas políticas. O que virá a seguir? Teriam as campanhas institucionalizado as práticas ilegais? Quais os impactos desse turbilhão de ilegalidades nos interesses do eleitor? Quem são os verdadeiros responsáveis: os marqueteiros ou o candidatos? Ou ambos. Seriam as campanhas pura ilusão, quaisquer que sejam elas? O que parece ficar claro no depoimento de Santana, é que ou se pratica o caixa 2 ou não se faz a campanha. É pegar ou largar.

O ambiente é competitivo. Praticar ilegalidade é um risco. Mas que quase ninguém se importa devido ao estado de impunidade generalizado. A realidade tem mostrado o contrário: os riscos são imensos e tendem não só a destruir reputações, mas vidas. Quem é preso e condenado tem a vida interrompida. É um alto preço. Valeria  a pena pagá-lo em troca de dinheiro, mesmo que seja muito?

Marshall McLuhan (1911-1980), estudioso canadense autor do livro A Galáxia de Gutenberg”**, cujo nome está associado à antecipação das mídias sociais, entendia que a comunicação, se colocada em linha industrial do pensamento, tendia a modelar a ordem perceptiva da sociedade. É o que acontece com o marketing político. A linha industrial de pensamento substitui o conteúdo. Assepciou a mensagem dos seus ingredientes voltados para a ação.

Teria sido esta prática que vem levando ao descrédito os políticos e, como desdobramento, a política? Segundo McLuhan, as mídias que uma sociedade utiliza no processo de comunicação determinam a personalidade e o comportamento do homem dessa mesma sociedade. Como isso se manifesta, se verdadeira a ideia de McLuhan, no Brasil dos dias atuais? Todos os dias surgem denúncias que põem em xeque os valores da sociedade e revelam seu lado obscuro. Quais são as consequências? Teremos uma revolução no sentido de combater as práticas ilegais democraticamente ou tenderemos a assimilá-las ? Haverá punições apenas seletivas ou universalizadas? Teremos uma sociedade mais ou menos represssiva? Ou uma sociedade justa e ética, ao final?

As perguntas são infinitas e, como as leituras de McLuhan – além de A Galáxia de Gutenberg (1962), Os meios de comunicação como extensões do homem (1964), O Meio é a Mensagem (1967), Guerra e Paz na Aldeia Global (1968)... -, desconcertantes. Mas há também uma recomendação de McLuhan que pode servir de antídoto para o marketing político como é feito hoje. Em relação às mídias, ele propõe que aprendamos a entendê-las e controlá-las o que significa não ceder a sua sedução, mas questioná-las e não permitir que elas destruam nossos ideais. Colocando isso em termos metafóricos, é o mesmo que o marketing político: não podemos deixar que o marketing, baseado na mistificação, destrua a política e, com ela, os ideais de liberdade.

É preciso, sim, combater o marketing político. Nem que se tenha de ir a fundo e investigar uma fila de marqueteiros e políticos, um atrás do outro, que vá de Curitiba a Brasília. O Brasil, guardadas as proporções, vive hoje um fenômeno parecido com os Estados Unidos dos anos 20, a necessidade de moralização da política, com o surgimento daquilo que se chamou “Barões ladrões”. Aqui, a corrupção ganha distintas formas, inclusive grassa em meio à esquerda. Cabe à sociedade repudiá-la e não deixar que atrase o processo democrático.

Porque no fundo, denúncias como as feitas por Santana são purificadoras. Resta saber como apurá-las e combatê-las. A comunicação tem poderes para superar os impasses: assim como semeou o mal, pode semear o bem comum. Manuel Castells, estudioso das mídias sociais, que o diga. Em “O poder da comunicação”*** defende a tese de que a democracia está sendo democratizada pela comunicação instantânea, com o surgimento de nova consciência, que rechaça a corrupção e o cinismo.

** McLuhan, Marshall. A Galáxia de Gutenberg. São Paulo: Editora Nacional, Editora da USP, 1972.
*** O Poder da Comunicação. Castells, Manuel. S. Paulo: Paz e Terra, 2016.

*Francisco Viana é jornalista e Doutor em Filosofia Política (PUC-SP).

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