newsroomA mídia, pautada por empresas com assessorias competentes, corre sempre o risco de escorregar. Vender como novidade fatos que já foram notícia. Em alguns casos, assume a versão da fonte, a ponto de tentar reinventar a roda. Na edição de sexta-feira, 21, reportagem do jornal Folha de S. Paulo, “Passageiros de mentirinha”  fala sobre ação “inédita" em Guarulhos.

A empresa privada concessionária do aeroporto iria testar, com a utilização de 4.700 “figurantes” - clientes ocultos ou fantasmas - os serviços de checkin e da esteira de bagagens do novo terminal. “Inédita no Brasil, a simulação de um terminal de passageiros pretende reproduzir situações reais de funcionamento.”

Esse tipo de ação não é inédito no Brasil. É prática comum do mercado o uso do cliente invisível ou oculto para testar o mercado e fazer pesquisas. Figurantes contratados ou empregados, disfarçados de clientes, ajudam empresas a avaliar qualquer negócio, sobretudo a qualidade do atendimento, o preparo e o comprometimento dos empregados. Inspirados nos valores de integridade, respeito e obsessão pelo cliente. Essa prática surgiu nos anos 40, nos EUA, e há anos é utilizada também no Brasil.

Nem nos aeroportos brasileiros é inédita. Cliente oculto ou invisível sempre existiu. No início da década de 2000, o cliente invisível era usado para testar atendimentos de balcão, lojas, condições de banheiros e outras instalações dos grandes aeroportos pela Infraero. Funciona como excelente feedback, principalmente do nível de atendimento, e serve para ajudar no planejamento estratégico da organização, principalmente quanto ao desempenho dos empregados e aceitação de produtos ou serviços.

A reportagem, provavelmente seguindo roteiro do press-release, peca por desconhecer o tema e por não seguir as regras do bom jornalismo. Empresas privadas querem mostrar serviço e pautam jornalistas de plantão. Estes não checam se a informação maquiada e bonita, num competente press-release, realmente é original ou, pelo menos, se deveria ser complementada, ouvindo outras fontes.

O jornalismo de gabinete, aquele que adora receber notas ou dossiês prontos e dar uma rápida checada no Google, engole factoides como esse todos os dias. Assessorias proativas e fontes espertas acabam pautando jornalistas que ficam esperando notícias, em vez de correr atrás delas. No caso dos aeroportos, após as privatizações, não é raro aparecerem notícias como essa, como “a grande novidade que está chegando ao Brasil”. Puro marketing.  

Check-in compartilhado

No fim do ano passado, a imprensa também divulgou como "inédito", no país, serviço da mesma concessionária de Guarulhos sobre implantação do check-in compartilhado. Os check-in compartilhados são guichês de atendimento, nos aeroportos, que podem ser utilizados por qualquer companhia aérea. Eles são flexíveis, aumentam ou reduzem o número de posições no aeroporto, conforme o movimento da empresa aérea. Serviço muito comum nos grandes aeroportos do mundo.

O sistema conhecido como CUTE, sigla de (Common Use Terminal Equipment) foi trazido para o Brasil pela empresa SITA, líder mundial em comunicação e soluções de TI para o transporte aéreo. A SITA negocia com a Infraero desde o início dos anos 2000.  

Em 2002, a Infraero testou pela primeira vez o check-in compartilhado no então novo aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre. A tecnologia controlada pela mesma empresa SITA, no Brasil, enfrentou uma batalha com os órgãos fiscalizadores, que exigiam licitação. Só que aquela tecnologia era exclusiva dessa empresa. A Infraero estava tentando trazer para o Brasil o software da nova modalidade de serviço moderno e pioneiro, que era propriedade da SITA.

Doze anos depois, com se vê, a mesma empresa mantém a tecnologia nos aeroportos. Na época, por causa da burocracia e do engessamento da lei de licitações, o processo atrasou e demorou a ser implantado. Lá sim, era uma tecnologia inédita.

Em setembro de 2009, a instalação de check-in compartilhado foi notícia no mesmo aeroporto de Guarulhos. “Já estão funcionando no aeroporto de Guarulhos seis quiosques S3, de uso compartilhado para check-in. As máquinas de auto-atendimento Cute (Common Use Terminal Equipment) compartilhadas são as primeiras instaladas no país e já estão à disposição de passageiros das companhias Air Canadá, Air France-KLM e Lan, que integram o Cute Clube de Guarulhos”.

Mas não foi só isso. Em agosto de 2011, o Portal G1 noticiava: “Aeroportos brasileiros podem ter check in compartilhado. Anac quer que balcões livres de uma companhia sejam usados por outra. Audiência pública on-line está aberta a sugestões para definir regra.” Também aqui a notícia não era novidade e tinha pelo menos dez anos de atraso.

Em novembro de 2013, a imprensa do Paraná informava: “O Aeroporto Internacional Afonso Pena, na Grande Curitiba, recebeu seis balcões de check-in de uso compartilhado da Sita. Conhecido como Cute (Common Use Terminal Equipment), o sistema será utilizado pelas companhias aéreas internacionais American Airlines e BQB Lineas Aéreas, que iniciam voos internacionais no terminal, que passa a ser o 11º no Brasil a ter o CUTE”.

Como justificar o ineditismo de Guarulhos, agora, se 11 aeroportos brasileiros já o utilizavam?

Não custa espiar no Google

Em tempos de furo na Internet e nas Redes Sociais, a imprensa está esquecendo de fazer o dever de casa. Não custa, pelo menos, fazer uma rigorosa checagem, quando constrói reportagens, como se o fato fosse uma grande novidade. A imprensa critica tanto os assessores de comunicação por pautarem temas que não são notícia. Está na hora, também, de a imprensa não ser pautada com temas esquentados, por falta de apuração, por empresas e assessores de comunicação que, junto com o jornalista, querem mostrar serviço e acabam prestando um desserviço ou enganando o leitor.

Desconfie quando algumas empresas anunciam serviços "inéditos", principalmente pautas de que determinado serviço nunca existiu no Brasil. Inédito mesmo tem sido a avidez com que as novas concessionárias dos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos se atiraram sobre os espaços dos terminais de passageiros para enchê-los de quiosques, tendas e lojas, tornando os saguões dos três aeroportos quase intransitáveis. 

Mas isso é outra história, que poderá ser explorada em outro momento. O que se questiona aqui é a facilidade com que a imprensa publica notícias, como se fossem uma tempestade, muitas até em manchete de primeira página. Depois, se descobre que não passagam de uma chuvinha de verão.
 
Notícia “vendida” como uma tecnologia “inédita” no país, no caso, noticiada há 12 anos, de certa forma é uma pequena mostra da crise de credibilidade por que passa a mídia em todo o mundo. Pautas apressadas, sem checagem, correm o risco de ser desmentidas alguns dias depois. Por precaução, principalmente quem trabalha com comunicação, deve sempre fazer uma leitura crítica dos fatos publicados, antes de se apressar em julgamentos e até mesmo em respostas.

Não acredite em tudo que está publicado. Desconfie até mesmo de alguns furos, tanto da área pública quanto privada. Pode ser que por trás da produção da notícia haja um trabalho de marketing. A última novidade do mercado, a mais avançada tecnologia ou a maior do mundo pode ser apenas um factoide. Alguns jornalistas não apenas esquecem de ouvir outras fontes. Deixaram até de consultar o Google.

Foto: cena da série Newsroom, da HBO, que começou a ir ao ar em 2011.

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