Petropolis catástrofeDesde a última terça-feira, dia 15, Petrópolis, a cidade imperial, na serra fluminense, parece um local que sofreu um bombardeio. A intensidade e a força das chuvas que caíram sobre a região causou a maior tragédia em número de mortos da cidade. Até esta 4ª feira, 23, o município contabilizava 231 mortos, superando a maior tragédia da cidade, em 1988, como 171 vítimas fatais. Além de cinco pessoas desaparecidas. (3)

Guardadas as devidas proporções, calamidade semelhante, pelo despreparo para enfrentar a enxurrada, falta de prevenção, de comunicação e o improviso, a catástrofe de Petrópoles lembra uma das maiores tragédias americanas, em desastres naturais, ocorrida no sul do país, em 2005, o furacão Katrina que arrasou a cidade de Nova Orleans, deixando mais de 1.800 mortos.

A catástrofe recorrente de Petrópolis

Petropolis tragedia fev 2022Se nos EUA, em 2005, faltou prevenção, gestão e comunicação, em Petrópolis, na semana passada, “eventuais planos de emergência, se havia, não puderam ser implementados rapidamente.” (1) A burocracia, a falta de uma política de prevenção de crises, a histórica corrupção que envolve a distribuição e aplicação de recursos públicos, no estado do Rio, e particularmente em Petrópolis, respondem muito pela extensão dessa tragédia brasileira. Como no Katrina, a falta de uma liderança, em vários níveis de governo, municipal, estadual ou federal, foi um fator decisivo para os erros na condução da crise de Petrópolis. 

Uma semana após a chuvarada, com dezenas de pessoas soterradas, os serviços de limpeza da cidade e de resgate de mortos continuava lento e confuso. Muita gente, muitos voluntários, bombeiros de vários estados, mas pouca coordenação. O desespero dos sobreviventes, que perderam parentes, os levou a procurá-los cavando com as próprias mãos, sem instrumentos e experiência, explorando rios e canais, numa triste repetição do que ocorreu em 2011, no mesmo estado.

Um dos pressupostos básicos na gestão de crises é uma forte liderança. Alguém sabe quem está comandando a grave crise de Petrópolis? O prefeito mal aparece. O governador do estado do Rio visitou a cidade mais de uma vez, mas ele não demonstra segurança no que diz e faz, tão evasivo e perdido quanto os moradores da cidade. Numa crise como essa, com socorristas de diferentes órgãos públicos – Defesa Civil, Polícia Civil, Bombeiros, Exército, área da Saúde – é muito difícil ter uma coordenação correta e resolutiva, se não for designado quem realmente comanda e lidera a operação.

Petrópolis é o lamentável reflexo de outras tragédias do país, não importa onde ocorram e a natureza do desastre, que resultam da falta de gestão, dos desvios de recursos que deveriam ser aplicados em assentamentos fora de zonas de risco, contenção de encostas, saneamento básico, reconstrução de residências ou obras de infraestrutura, principalmente de residentes da periferia, que não têm rede pluvial ou de esgotos. “A única forma de mitigar riscos é investir em planejamento urbano de forma a evitar aglomerações em áreas que apresentem maior perigo”, dizem especialistas entrevistados pelo jornal Valor Econômico. (1) 

“Não se pode mudar o relevo e não se podem mudar as chuvas, que acontecem cada vez mais concentradas no espaço e tempo”, diz Maurício Ehrlich, professor da UFRJ e especialista em geotecnia. "É uma característica bastante funesta”. 

Segundo Ehrlich, em seminário realizado na semana passada na UFRJ, reproduzindo o que o representante do Ministério do Desenvolvimento Regional afirmou, na ocasião: de R$ 2,7 bilhões previstos pelo então ministério das Cidades, em 2011, para recuperar a região serrana das chuvas daquele ano, quando perto de 1.000 pessoas morreram, a maioria nos municípios de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, apenas 50% foram usados até hoje. 

Da mesma forma no estado do Rio de Janeiro. O que falta, portanto, conclui o engenheiro, são os projetos, não falta dinheiro. No caso de Petrópolis, a cada tragédia natural, nasce outra quando se trata de dinheiro, que some nos porões da corrupção. Tanto recursos públicos, quanto doações arrastam um caudal de denúncias de desvios e mau uso, por parte de prefeitos, vice-prefeitos e secretários. Eles se aproveitam da morosidade e complacência da Justiça para usarem ou desviarem os recursos sem qualquer cerimônia. São aves de rapina, que aproveitam a desgraça alheia para meterem a mão no dinheiro público, sem qualquer prurido. Como se viu em vários estados, com a verba destinada à pandemia. A população vulnerável, que perde quase tudo, além da vida de entes queridos, torna-se refém desses políticos inescrupulosos, como acontece em todo o Brasil. 

Falta de gestão riscos, de interesse e de vergonha

Petrópolis catastrofe 2Em qualquer lugar do mundo minimamente desenvolvido, tragédia como a ocorrida em Petrópolis teria alarmes pelo menos com tempo suficiente para que a maioria das pessoas se deslocasse para lugares mais altos e não se tornassem reféns da chuva e dos deslizamentos. Não é admissível a desculpa das autoridades da Defesa Civil, da prefeitura de Petrópolis, e até dos Bombeiros de que a chuva veio de repente e até o serviço de meteorologia, todos foram surpreendidos. Se fosse num lugar onde evento climático desse tipo nunca tivesse ocorrido -- basta lembrar do terremoto na cidade de Amatrice, na Itália, um dos vilarejos turísticos mais belos do país, em 2016, que deixou 238 mortos na cidade, onde era improvável ocorrer terremoto, porque fora da região considerada de risco--, ainda poderíamos admitir que, em Petrópolis, os mecanismos de prevenção e de resgate da população não teriam sido acionados, porque, realmente, tempestade daquela magnitude não poderia ser prevista.

Mas até os tsunamis na Ásia, bastante comuns, já têm serviços de alerta, depois daquela tragédia de 2004, que matou aproximadamente 230 mil pessoas, a maioria surpreendidos em praias das ilhas de vários países. Se esse desastre, ocorrido em 15 de janeiro, se repete em Petrópolis ciclicamente, com maior ou menor gravidade, o que fizeram os prefeitos e autoridades estaduais da serra fluminense, desde 1988 e 2011, quando fatos muito semelhantes aconteceram? Ao que consta, muito pouco. Sequer a verba, destinada à contenção de enchentes, foi totalmente aplicada.

Os depoimentos colhidos após a avalanche de água e lama que tomou conta da cidade, destruindo ruas inteiras de casas comerciais e dezenas de residências, prédios e logradouros públicos, mostram que muito do que aconteceu era possível prever com certa antecedência, o que poderia, pelo menos, ter minimizado a perda de vidas, caso não desse para salvar bens materiais. De 2011, até hoje, praticamente nada foi feito para tentar evitar tragédias dessa magnitude, com tantas vidas perdidas.  

Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de 20/02, só um terço das cidades brasileiras sob risco tem sistema de alerta para enchentes, como alarme e sirenes. Enre 966 municípios críticos, 35% disseram ter sistemas de alerta hidrológicos, entre eles Petrópolis. Segundo as autoridades da cidade, essas sirenes ajudaram a reduzir o número de vítimas, mas sirenes de evacuação só em dois dos cinco distritos do município. “O que temos é uma cultura de reação, não de prevenção”, conclui o professor de Pos-Graduação em Ciência Ambiental, da USP, Pedro Côrtes, em depoimento ao jornal O Globo.

Nove equipamentos que foram instalados em 2016 pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) para acompanhar em tempo real deslizamentos de terra estão parados desde janeiro de 2018 por falta de verba do governo federal para a manutenção. Uma das ETRs (Estações Totais Robotizadas) deveria funcionar na cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, que vive a maior tragédia de sua história e, periodicamente, enfrenta calamidades como esta que deixou mais de 200 mortos, segundo o Uol Notícias.

Em resumo, para ficar apenas no Rio de Janeiro, embora seja uma realidade nacional, desde a maior tragédia ecológica do País, em 2011, quando enchentes e deslizamentos varreram a baixada fluminense e a serra, com mais de mil mortos, o que se viu naquele estado foram ações pontuais. Anos depois da tragédia, as famílias que recebiam aluguel social aguardavam os prometidos imóveis que seriam entregues pelo governo. E pouco se fez nas encostas para retirar a população em situação de risco. O que se viu em Petrópolis há uma semana foi o desenlace da crise anunciada. Como tantos outros no País em que "prevenção" é uma palavra que não figura no dicionário dos governantes.

Furacão Katrina matou 1.800 e deixou Bush na lona

Katrina furacao 2005Os Estados Unidos, tido como o país com uma das melhores políticas de prevenção e contenção de desastres naturais – até porque é uma região acossada por furacões, tempestades, terremoto, nevascas e incêndios – tem uma página triste nessa história. Em 2005, a região onde fica a cidade de Nova Orleans foi atingida pelo furacão Katrina. Os diques que existiam para conter o avanço das águas sobre os bairros da periferia da cidade não foram suficientes para segurar a avalanche de água que caiu sobre a cidade e provocou rapidamente um grande inundação. 

O desastre ocorrido naquela região, num país tido como dos mais desenvolvidos do mundo, lembrou as que ocorrem periodicamente e com frequência em países pobres. Surpreendida pelas águas, a população vulnerável da cidade, principalmente idosos, ficou presa em locais onde o socorro não conseguia chegar.  Os ventos do furacão chegaram a 280 km/h, e causaram grandes prejuízos em todo o litoral sul dos EUA, onde mais de 1 milhão de pessoas foram evacuadas. O furacão causou 1.836 mortes diretas, a maioria na região de Nova Orleans. O Katrina foi o terceiro mais mortífero furacão dos EUA. E permanece como uma mancha na política de prevenção de crises climáticas do país. 

“A confusão na gestão dessa crise, transformada em pesadelo para o governo Bush, tem muito a ver com a falta de liderança e de comunicação. Os telefones de emergência entraram em colapso, devido às inundações. A falta de luz, telefone e qualquer tipo de comunicação prejudicou as equipes de emergência. Sem comunicação, não havia coordenação” (2). Assim como em Petrópolis, centenas de pessoas, a maioria negros e pobres, morreram em Nova Orleans e arredores por falta de uma política efetiva de gestão de crises de desastres naturais. Tragédia após tragédia desse tipo, muitas delas no Rio de Janeiro, a população cansou de ouvir promessas que não são cumpridas.

(1)  Impedir novas tragédias depende de planejamento. JornalValor Econômico, 18 fev 2022.

(2)  Forni, João J. Gestão de Crises e Comunicação – O que Gestores e Profissionais de Comunicação precisam saber para Enfrentar Crises Corporativas. (Atlas, 2019, 2ª edição, p. 116).  

(3) Dados atualizados até 2 de março de 2022.

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