media training doisOs últimos dias foram pródigos em mostrar entrevistas em que as fontes se atrapalharam, sobre situações que podemos caracterizar como crise. Declarações intempestivas, precipitadas e confusas acabaram chamando a atenção,  merecendo, de imediato, muitas críticas. Dar entrevista pode ser fácil para quem tem experiência e domina o tema. Mas. quando a fonte é inexperiente, sobretudo em temas controversos, sob o escrutínio dos jornalistas, geralmente acaba escorregando. Principalmente se nunca fez treinamento de Media Training. Em alguns casos, essa entrevista marca definitivamente a carreira.

A estreia inapropriada

Uma coletiva de imprensa sempre representa um risco. Risco de erros, de sofrer pressão, de o jornalista surpreender, de o entrevistador se atrapalhar com temas polêmicos, enfim não é raro entrevistas acabarem mal. Ou até mesmo por frases de efeito que não caem bem naquele momento. Enfrentar a imprensa sem experiência ou treinamento aumenta o risco de não dar certo.

Nesta semana, ao assumir a Superintendência da Polícia Federal, Fernando Segovia deu uma entrevista onde foi infeliz quando se referiu à Lava Jato e a apurações que envolvem o presidente da República. Ele admitiu nesta segunda-feira (20) haver um "vendaval de dúvidas" sobre os destinos da corporação e prometeu manter como prioridade o combate à corrupção no país. Entenda como quiser.

Mas a declaração polêmica, que gerou especulações e suspeitas, ocorreu quando Segovia criticou a Procuradoria-Geral da República que, na gestão Rodrigo Janot, denunciou pela primeira vez o presidente por corrupção passiva no caso da mala dos R$ 500 mil que a JBS pagou para o ex-assessor especial de Temer, Rodrigo Rocha Loures. “Uma única mala talvez não desse toda a materialidade criminosa que a gente necessitaria para resolver se havia ou não crime, quem seriam os partícipes e se haveria ou não corrupção”, declarou o novo diretor da PF.

Conforme disse o jornalista Elio Gaspari, comentando a entrevista, “o novo chefe da PF entrou em campo fazendo perguntas, quando deveria anunciar que trará respostas”. Mas pior. A criticar as conclusões, atingiu num efeito colateral a própria PF, que chegou a mesma conclusão da PGR. Não bastassem os imbróglios que marcam essa investigação, a entrevista de posse serviu para colocar mais tempero nesse cozido.

Para Segovia, a PGR é a melhor indicada para explicar possíveis erros no acordo de colaboração premiada firmado com executivos do grupo J&F, entre eles, o empresário Joesley Batista. Descontadas as alfinetadas do novo Superintendente, pela deselegância de questionar um órgão, como o MP, com quem ele irá sempre interagir, o que pega aqui é o momento da declaração. Você é escolhido para um cargo para o qual a mídia especulou que não era o “favorito”; atribuem sua indicação ao presidente, aconselhado por deputados que estão acusados de ilícitos e sob apuração da PGR; e você na primeira entrevista, decide emitir opinião sobre como a PGR deveria ter agido no caso da denúncia contra o presidente Temer. Sem que tenham perguntado.

A declaração, por polêmica, atiçou vários pavios que já estavam incandescentes. E provocou resposta imediata do ex-Procurador Geral Rodrigo Janot e do Procurador na Operação Lava Jato Carlos Fernando Lima, que atacou pelas redes sociais: “Sua opinião pessoal é totalmente desnecessária e sem relevância, ainda mais quando dada em plena coletiva após a posse que lhe foi dada pelo próprio denunciado”, escreveu Lima.

Segovia fez algo parecido com o que aconteceu com o ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, nomeado por Dilma Roussef, em março de 2016, pouco antes do impeachment, que também tomou posse atravessando a linha, com declarações que batiam de frente com a Polícia Federal. Ele ameaçou punir delegados da PF se descobrisse quem vazou informações. A ADPF, na época, rejeitou as ameaças e criou-se um clima muito inamistoso entre chefe e subordinados. Como se vê, entrevistas de posse têm que ser muito bem preparadas.

A manifestação de Segovia não deveria ter sido dada numa entrevista de posse. Geralmente, essas entrevistas são mais protocolares; quando muito a mídia vem para saber qual a diretriz do novo gestor. Como a PF é um dos protagonistas da Operação Lava Jato, no momento certamente há vários temas polêmicos que interessam à opinião pública. Não havia necessidade de uma opinião polêmica naquele momento solene e que não contribui para os objetivos da Operação, o combate à corrupção.

Mas qual o problema principal nessa entrevista? O novo Superintendente da PF mexeu com um tema extremamente sensível, como as investigações da Lava Jato e o caso específico, bastante controverso, da famosa mala de dinheiro que envolveu um amigo do presidente Temer. Pelo fato de a Operação Lava Jato estar em xeque pelas tentativas e pressões para amordaçá-la, as declarações do novo superintendente de certa forma reforçam a suspeita ou dão margem à ilações  de que ele foi indicado para, em linha com vários outros agentes, tirar fôlego da Operação. O que é muito ruim para o país e os propósitos da Operação que recebe amplo apoio da sociedade, desde 2014.

A Polícia Federal tem se limitado a falar quando dispara uma nova operação. Em geral, as coletivas dos principais gestores são raras. Não se pode perder uma oportunidade como essa para reforçar a reputação da PF, bem como esclarecer temas que deixaram de ser explicados em outras oportunidades.

Em outro post analisaremos casos semelhantes, quanto à necessidade da transparência na informação, principalmente quando se tratar de crises graves.  

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