*João José Forni

O drama dos 33 mineiros chilenos, soterrados há mais de um mês, numa montanha de Copiapó, no Chile, acabou se transformando num espetáculo midiático, centro das atenções da mídia internacional.  Afinal, por que o acidente na mina, tão comum em todo o mundo, acabou trazendo para o Chile a atenção de ricos e pobres, além da cobertura global, da CNN à Al Jazzera?

Centenas de mineiros morrem todo ano, dada a insegurança do trabalho. O risco de morte é inerente a essa atividade antiga e perigosa. O acidente no Chile é apenas mais um na triste estatística desses trabalhadores explorados, confinados e vítimas de sérios problemas respiratórios e oculares, após anos em cavernas. O que teria de diferente o drama dos chilenos?

Talvez a forma heróica como sobreviveram. A sociedade digital hoje está tão carente de heróis e dramas, por viver envolvida com a pirotecnia tecnológica, o consumismo e a competição, que não tem mais tempo para saber o que acontece ao redor. Os mineiros são trabalhadores invisíveis. Só viram notícia quando existem tragédias. O midiático está no fato de que eles são sobreviventes de um desabamento a 700m de profundidade. Eram apenas para ser mais 33 na macabra estatística dos mineiros que morrem soterrados.

Mas eles tiveram sorte e perspicácia para escapar da morte. Sobreviveram naquele buraco, porque havia oxigênio suficiente, que circulava através de dutos, e porque o desabamento foi no meio da mina. Grandes blocos de pedra de centenas de toneladas cederam, entupindo trechos da rampa de acesso. Com isso, foi necessário  abrigar-se num refúgio de 54 m2. Salvos, enfrentam agora outro desafio. Com temperatura ambiente de 40ºC e umidade de 85 a 90%, o ambiente se transforma numa sauna sem circulação de ar. Assim eles conseguiram ficar por 17 dias, até que se descobrisse, por bilhete enviado por uma sonda, que eles estavam vivos.

Em cima, formou-se acampamento com parentes, amigos, trabalhadores,  técnicos, membros do governo do Chile e centenas de jornalistas. As equipes trabalham dia e noite para fazer um duto que permita chegar ao local em quatro meses ou até dois, se as alternativas derem certo. Assistentes sociais, religiosos e psicólogos ajudam a manter o moral dos trabalhadores elevado e ensinam formas de se manter ativos e sem depressão.

A mídia descobriu, enfim, a novela deste fim de ano. Jornalistas de todos os cantos deslocaram-se para o Chile. O que foi bom, porque no acidente se escancarou a triste realidade vivida pelos trabalhadores todos os dias, mas que eles não tinham força para denunciar e reverter. As minas são extremamente vulneráveis. A empresa exploradora da mina de San José, que acabou pedindo falência, já havia sido notificada pelas precárias condições de segurança.

Os patrões pagam o dobro de salário para trabalhadores sem qualificação se expor à umidade, à poeira e às péssimas condições de trabalho nas galerias.  Só agora o governo do Chile descobriu que 26 outras minas estavam tão ou mais precárias do que a de San José. Tarde demais para os 33 novos heróis do país. Terão que esperar a luta dos técnicos contra o relógio e a perfuração do pequeno vão, por onde poderão ser içados daqui a dois ou quatro meses. Para nós pode parecer pouco. Para eles, uma eternidade.

Foi necessário organizar o grupo, porque nessa situação-limite, de intensa tensão, há um tendência para a desagregação, agravando conflitos de liderança. Água e comida foram racionadas nos 17 dias. Respirar e dormir, apesar do apoio que vem de fora e das sondas e sprays de oxigênio, é penoso e difícil, o que leva a alucinações e à depressão. Então, elegeu-se um líder, um porta-voz, um puxador de orações, enfim, organizou-se a assembléia para disciplinar as refeições, o uso do álcool, remédios, limpeza, iluminação. Uma comunidade unida com um único objetivo: sobreviver. É um “Lost” a 700 metros de profundidade.

Só mesmo os parentes para manter fidelidade e audiência às mensagens enviadas pelos sobreviventes. Em cada uma, a palavra mais forte é esperança. Pelo menos a tecnologia das câmeras e vídeos permite aos mineiros conversar com os parentes e técnicos, recebendo apoio espiritual e material. Além de satisfazer a curiosidade da mídia espetáculo. Bem diferente da realidade tão bem retratada por Billy Wilder, no antológico filme “A Montanha dos sete abutres”, de 1951. O pobre mineiro soterrado ficou por conta do inescrupuloso repórter (Kirk Douglas) que atrasou o resgate, para manter o fato em evidência no seu jornal.  Com muita sorte, o caso dos mineiros chilenos poderá durar mais alguns meses na mídia. Até que outra tragédia nos faça esquecê-los.

*Jornalista, Consultor de Comunicação. Editor do site www.comunicacaoecrise.com.

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Atualização

Artigo publicado no site www.comunicacaoecrise.com, em 2 de setembro de 2010, um mês e pouco antes do resgate dos mineiros. Os mineiros chilenos, numa espetacular operação de resgate, foram resgatados, após 69 dias de luta, em 13 de outubro de 2010. Mais de dois meses antes da expectativa do governo do Chile e da equipe que comandou a operação.

 

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