folha_de_sao_pauloJanio de Freitas (Folha de S. Paulo)

A imprensa e a depreciação dos políticos na opinião pública, em âmbito mundial, estão conjugadas em uma nova tese formulada para explicar o objetivo da primeira e a causa da segunda.

Mas tamanha novidade passou despercebida, por força da exclusão feita pelos meios de comunicação brasileiros, no seu noticiário, do Fórum Mundial Temático de Porto Alegre, sufocado em jornais, TV e rádios pelas atenções dadas ao sempre inconsequente "fórum econômico" de especuladores e bilionários internacionais, em Davos, Suíça.

A tese é do ex-ministro da Justiça e hoje governador gaúcho Tarso Genro. Já conhecido também em sua produção intelectual, pelos que conseguiram desembaraçar seus artigos e declarações ministeriais aprofundadas ao nível do pré-sal.

O primeiro pilar da tese é a conclusão de que existe "uma orquestração mundial da imprensa". Constatação verdadeira, mas imprecisa.

Se considerarmos só o Ocidente, para não complicar como Tarso Genro talvez preferisse, são muitas, e não uma, as orquestrações mundiais da imprensa.

O que, pode-se dizer à margem da tese, explica muito da igualdade dos jornais e telejornais, na seleção e no tratamento dos temas.

Na essência, os interesses próprios são os mesmos e os interesses intermediados pela imprensa só diferem em razão de circunstâncias estreitas e passageiras. A regra geral da orientação é o capitalismo. Ponto.

O segundo pilar está na ideia de que "a orquestração" é "contra a classe política" e "tem um interesse: é a despolitização e a despartidarização na democracia".

Se, no Ocidente, tomarmos só o caso do Brasil, que é a óbvia fonte da tese, pode-se admitir a despolitização e a despartidarização como verdadeiras. Mas no sentido oposto ao que Tarso Genro vê ou quer que seja visto.

Do fim da ditadura aos primeiros anos depois da Constituinte, em 1988, a população mobilizou-se politicamente em todos os níveis sociais e quadrantes geográficos.

Foi um estupendo capital político -em dimensão, em aspirações e em envolvimento- entregue à classe política.

O processo que se desenvolveu desde então foi a substituição, na classe política, do interesse público pelos interesses pessoais. Com o necessário e crescente abandono dos escrúpulos políticos, pessoais e, vá lá, partidários.

Os escândalos de corrupção que se sucedem dia a dia são a face, ou uma parte dela, do que a classe política fez e faz de si mesma. A imprensa não produz escândalo: usa-o. Capitalisticamente.

A despolitização e a despartidarização vistas por Tarso Genro são produtos da despolitização e da despartidarização da classe política, no processo de desfazer-se de todas as noções de compromisso, de coerência, de representação e de decência.

Partidária inclusive, com a descaraterização dos partidos pelas alianças quaisquer e as traições pós-eleitorais ao eleitorado.

Tarso Genro poderia até perceber que, não houvesse dilapidado por interesses inescrupulosos o capital político recebido, a classe política teria condições de colaborar para termos meios de comunicação mais ao seu agrado. E, ainda que por outros motivos, ao de todos, parece.

Esse artigo foi publicado na coluna de Janio de Freitas, na Folha de S. Paulo, de 2 de fevereiro de 2012. Pela importância do artigo, reproduzimos aqui, pela dificuldade de fazer um link, mesmo sendo assinante da Folha de S. Paulo

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